Entrevista com Luiz Eduardo Barata, da FNCE A Reforma na ótica do Consumidor Ano 44 - No 494 - brasilenergia.com PETRÓLEO Petrobras limita valor de FPSOs em US$ 3,5 bilhões BIOMETANO Paraná monta rede de 4.586 km em rodovias TERMELÉTRICAS O que falta para gerar energia do lixo no Brasil? CARVÃO Alternativas da indústria para eliminar o passivo das cinzas TRANSIÇÃO ENERGÉTICA Mercado petroquímico como opção a combustíveis fósseis TRANSMISSÃO Leilão prevê novas linhas subterrâneas de alta tensão COBERTURA ESPECIAL OTC 2025 leva a Houston quase 1.000 brasileiros
UMA PRODUÇÃO COM MENOS EMISSÕES PETROBRAS. LÍDER NA TRANSIÇÃO ENERGÉTICA JUSTA. O BRASIL É DOS BRASILEIROS. Com um investimento de US$ 1,3 bilhão até 2029 no Programa Petrobras Carbono Neutro, no Fundo de Descarbonização e na compensação por créditos de carbono de qualidade, a Petrobras reafirma seu compromisso permanente com a redução de suas emissões totais em todos os processos de extração e produção.
JÁ FAZ PARTE DA SUA VIDA
ASSINE Assine. Leia. Decida melhor. brasilenergia.com.br/assine
Brasil Energia, nº 494, 27 de maio de 2025 5 Enfim, o Governo assumiu uma pendência de mais de uma década, portanto de outros governos, ao enviar à Câmara a MP 1.300 sobre a reforma do Setor Elétrico. Em uma tacada só, a MP pretende alterar oito leis setoriais vigentes, sendo a Lei 9074, de 1995, a mais antiga. Em 30 anos, o mundo mudou. Na Câmara, continua estacionado há quatro anos um dispositivo sobre o mesmo tema, embora de abrangência mais restrita. O PL 414/2021 é oriundo do Senado, onde já vinha tramitando há outros cinco anos como PLS 232/2016. Os agentes começam a analisar o texto da MP. De público, a maioria aplaude a iniciativa do Governo. Mas, no reservado, movimentam seus lobbies para neutralizar eventuais pegadinhas que mantenham privilégios ou possam afetar negativamente seus negócios. O fato é que o lençol da economia brasileira é curto para atender os interesses de tantos, inclusive dos governos, que sem investir são os que mais arrecadam com os negócios de energia. No final, o que se espera não será um lençol, mas uma colcha de retalhos. A MP foi publicada fazendo menção a nove propósitos, dos quais seis se referem ao Sr. Consumidor, seja aquele que paga a conta, seja o baixa renda, que não paga mas consome. E mesmo entre os Consumidores há uma distinção conceitual. Há os que usam a energia como insumo para gerar receitas, como os segmentos de serviços, comércio e indústria. E há os que usam energia como despesa, como os residenciais. Estes não têm lobistas e por isso serão apenas fiadores das decisões dos que têm. Celso Knoedt Diretor Presidente edição 494 sumário olá leitor, GOVERNO 15 O bate-cabeça na governança do Setor Elétrico PETRÓLEO 20 Petrobras limita em US$ 3,5 bilhões o preço dos FPSOs 80 Sinaval pede que licitações de FPSOs sejam divididas em três COMBUSTÍVEIS 24 Paraná constrói a rota do biometano no lugar do diesel 48 Bio-syncrude, o petróleo sintético a partir de renováveis 55 O planeta ensaia uma corrida pelo Hidrogênio Branco 66 HVO: pouco conhecido, mas com excelentes credenciais TERMELÉTRICAS 30 A transição do parque brasileiro de UTEs a óleo para gás 102 Energia para sanear o lixo é viável no Brasil? HIDRELÉTRICAS 36 A cheia de 2014 no Paraná e o reservatório da UHE Foz do Areia REDE MAIS SEGURA 42 Soluções tecnológicas e regulação contra eventos severos INOVAÇÃO 52 Petrobras instala impressoras 3D em plataformas para evitar paradas de produção TRANSIÇÃO ENERGÉTICA 62 Petrobras busca desenvolver novos mercados na petroquímica TRANSMISSÃO 73 Leilão de transmissão terá anel de alta tensão em São Paulo 75 Nova LT no Rio é integrada ao SIN CARVÃO 76 Indústria quer eliminar o passivo das cinzas
6 Brasil Energia, nº 494, 27 de maio de 2025 8 LUIZ EDUARDO BARATA FNCE “Subsídio tem que ser pago pelo Tesouro” edição 494 sumário EDITORA BRASIL ENERGIA – Rua Conselheiro Saraiva, 28 / 601, CEP 20091-030 – Rio de Janeiro - Tel (21) 3503-0303 - www.brasilenergia.com Diretor Presidente: Celso Knoedt – Diretores: Alessandra Alves, Patricia Quintão, Rosely Maximo – Editora Executiva: Rosely Maximo – Redatores: Ana Luisa Egues, Celso Chagas, Chico Santos, Eliane Velloso, Esther Obriem, Eugenio Melloni, Fernanda Legey, Fernanda Nunes, Liana Verdini, Marcelo Furtado, Nelson Valencio, Sabrina Lorenzi - Tratamento de Dados: Mauricio Fagundes - Programação Visual: Ana Beatriz Leta Foto capa: Marcus Almeida ASSINATURAS: Alessandra Alves, assinaturas@brasilenergia.com.br - Tel: (21) 3503-0303 / 98702-4237 • BRASIL ENERGY: Anual, R$ 1.795; Mensal, R$ 172 • ENERGIAHOJE: Anual, R$ 1.390; Mensal, R$ 136 • PETROLEOHOJE: Anual, R$ 1.390; Mensal, R$ 136 • CENÁRIOS EÓLICA: Anual, R$ 1.585 • CENÁRIOS GÁS: Anual, R$ 1.585 • CENÁRIOS PETRÓLEO: Anual, R$ 1.585 • CENÁRIOS SOLAR: Anual, R$ 1. 585 ATENDIMENTO AO ASSINANTE: Tel: (21) 3503-0303 / 98702-4237 PUBLICIDADE: Paula Amorim, publicidade@brasilenergia.com.br - Lúcia Ribeiro (21) 97015-4654, Alex Martin (11) 99200-0956 e Fernando Polastro (11) 5081-6681 ENTREVISTAS COLUNISTAS 29 BRUNO ARMBRUST Contratos legados, revisão tarifária e o papel da ANP 19 FREDERICO ACCON Expectativas com a proposta do novo marco legal do setor elétrico 83 JOSÉ ALMEIDA DOS SANTOS O avanço mundial na captura e redução do CO2 e outros GEE 61 MÁRCIO ÁVILA Sobre a cláusula de incidências tributárias do Sistema Petrobras 22 OSMANI PONTES O Gás release nos bastidores do mercado: quem pode sair ganhando? 35 RUBEM CESAR SOUZA Quem está pagando a Transição Energética no Setor Elétrico? 54 TELMO GHIORZI Nível de Prontidão Tecnológica e Nível de Maturidade da Inovação 97 WAGNER VICTER A OTC como um termômetro do mercado offshore COBERTURA ESPECIAL 84 OTC 2025 MOBILIDADE 98 Distribuidoras, prefeituras e arranjos para o transporte urbano INDÚSTRIA 108 O Dia D da tecnologia brasileira de equipamentos hidrelétricos DISTRIBUIÇÃO 113 Como inovar na hora de reduzir a inadimplência
Brasil Energia, nº 494, 27 de maio de 2025 7 imagem do mês UPGN do Complexo Boaventura com capacidade total Com a entrada em operação do segundo módulo no início de maio, a UPGN do Complexo Boaventura já opera na capacidade total, de 21 milhões de m3/dia. A UPGN faz parte do Projeto Integrado Rota 3 (PIR3) que, por sua vez, faz parte do Sistema Integrado de Escoamento de Gás da Bacia de Santos, responsável pelo escoamento de campos no pré-sal como Tupi, Búzios e Sapinhoá, entre outros. Além do gasoduto e da UPGN, o complexo inclui duas termelétricas a gás para participação no LRCap quando for remarcado, e unidades de refino para produção de combustíveis e lubrificantes, as quais estão com processos de contratações das obras em curso. Após a conclusão das obras, o conjunto de unidades terá capacidade aproximada para produzir 12 mil bpd de óleos lubrificantes de Grupo II, 75 mil bpd de diesel S-10 e 20 mil bpd de querosene de aviação (QAV-1). A planta vai operar em sinergia com a Refinaria Duque de Caxias (Reduc). Foto: Bruno Castro / Agência Petrobras
8 Brasil Energia, nº 494, 27 de maio de 2025 entrevista Luiz Eduardo Barata Foto: Marcus Almeia/Somafoto
Brasil Energia, nº 494, 27 de maio de 2025 9 A reforma do setor elétrico, a medida provisória 1300, publicada em 21 de maio e com o prazo de 120 dias para ser avaliada no Congresso Nacional e assim não correr o risco de perder sua validade, não deve resolver os problemas estruturais do setor e terá seu impacto positivo limitado apenas aos consumidores de baixa renda. A avaliação é de Luiz Eduardo Barata, presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia, que reúne entidades ligadas aos variados perfis de consumidores do país, desde os pequenos do mercado cativo até os grandes e eletrointensivos do mercado livre. Em entrevista à Brasil Energia, o executivo de larga experiência, ex-diretor geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico, o ONS, avalia que a reforma pecou por ser tímida, não propor mudanças sistêmicas no arcabouço setorial já antiquado e por se limitar a transferir custos entre consumidores e não para reduzi-los, com exceção daqueles voltados para compor a nova tarifa social de energia elétrica (TSEE), beneficiada pela reforma. A realocação de custos – apesar de incluir ações como cortes de subsídios no fio para consumidores da alta tensão e extensão do rateio dos custos de geração de Angra I e II aos consumidores livres, medidas que Barata considera positivas – serve para justificar a ampliação da TSEE. Isso porque o aumento nos custos com a população de baixa renda, segundo análise da Abrace, deve ser financiado com a mudança na contribuição dos grandes consumidores à Conta deDesenSubsídio tem que ser pago pelo Tesouro Presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia (FNCE), com ampla experiência no setor energético, Luiz Eduardo Barata analisa, nesta entrevista, os impactos da medida provisória para a reforma do setor elétrico – como a redistribuição, e não redução, de custos para os consumidores – e propõe medidas para corrigir as distorções | POR MARCELO FURTADO |
10 Brasil Energia, nº 494, 27 de maio de 2025 entrevista Luiz Eduardo Barata volvimento Energético (CDE), que passarão a ratear de forma igualitária com os pequenos. Proporcionalmente, isso afetará os custos da indústria. Com previsão de que as novas regras da TSEE resultem em ônus extra de R$ 3,6 bilhões anuais à CDE, com impacto tarifário de 0,9%, a expectativa do governo, por outro lado, é de redução gradual dos encargos da conta, apenas com o fim dos descontos do fio, de cerca de R$ 4 bilhões por ano a partir de 2030. “Haverá um barateamento para os consumidores de menor poder aquisitivo e até a gratuidade para um grande número deles. Isso a gente vê, obviamente, com bons olhos. Mas o problema é que isso será obtido à custa de um aumento do custo de energia para os outros consumidores e sobre o comércio e a indústria, que vai acabar se voltando para todos os consumidores”, disse Barata. A tarifa social, caso aprovada, muda do modelo atual escalonado, cujos descontos são concedidos por faixa de consumo, para um outro que dá gratuidade para todos os consumidores de baixa renda para até 80 kWh mensais. Também foi incluída na proposta do eixo batizado de justiça tarifária benefício para famílias com renda mensal entre meio e um salário-mínimo para isenção de pagamento da CDE (cerca de 12% das tarifas), para o consumo mensal de até 120 kWh. Com os dois modelos, seriam beneficiados cerca de 60 milhões de consumidores. Na entrevista, Barata aponta ainda o que precisaria ser feito para tornar a reforma “ampla, geral e irrestrita” e coloca em dúvida o impacto positivo que a abertura completa do mercado, antecipada em um ano de sua proposta original, para 2027, poderia trazer para a redução dos crescentes custos de energia ao consumidor que, segundo ele, só é chamado “para pagar a conta”. Está no manifesto de criação da Frente Nacional dos Consumidores de Energia que o objetivo da entidade é lutar pela redução estrutural do custo de energia, a liberdade de escolha de fornecedores e a alocação justa dos custos. O sr. considera que a reforma do setor elétrico proposta pela MP 1300 atende o todo ou pelo menos parte do anseio? Eu diria que atende parcialmente. Haverá um barateamento para os consumidores de menor poder aquisitivo e até a gratuidade para um grande número deles. Isso a gente vê, obviamente, com bons olhos. Compreendemos bem essa necessidade. Mas o problema é que isso será obtido à custa de um aumento do custo de energia para os outros consumidores e sobre o comércio e a indústria, que vai acabar se voltando para todos os consumidores. O sr. se refere ao deslocamento de custos do mercado regulado para o livre da reforma, como o rateio dos custos de Angra 1 e 2, a não distinção de contribuição da CDE entre níveis de tensões e o fim dos descontos de TUSD/TUST para grandes consumidores de fontes incentivadas? Sim, já há estudo da Abrace, uma das associações que fazem parte da Frente, que entende que o custo para o co-
Brasil Energia, nº 494, 27 de maio de 2025 11 mércio e para a indústria, que estão no mercado livre, poderá aumentar de 15% a 20% com esse deslocamento. Isso significa que haverá um rebatimento nos custos em todos os produtos e todos os serviços, porque esse aumento vai ser repassado. É uma ilusão achar que quando se reduz o preço de alguém sem uma discussão antes, como a que defendemos, outros não pagarão por isso. O que a Frente defende? Já há algum tempo identificamos a necessidade de uma reforma ampla, geral e irrestrita do nosso modelo setorial, e isso não veio na proposta do governo. Até tivemos a oportunidade de ter uma reunião com o presidente Lula em abril do ano passado em que defendemos que a redução do custo de energia seja feita com responsabilidade, caso contrário poderá afetar a todos os consumidores. O que faltou para que a proposta tenho sido ampla? Primeiro, é preciso discutir o arcabouço setorial que temos hoje. Ele foi construído inicialmente em 1998, depois foi reformado em 2003, no governo do presidente Lula. As bases do arcabouço foram completamente modificadas ao longo desses últimos 15 anos. A matriz elétrica hoje é completamente diferente da que nós tínhamos em 2003. O consumo é completamente diferente. Obviamente que tudo isso é positivo, houve um aumento grande do mercado livre e um aumento fabuloso do uso da geração distribuída, mas isso desarrumou todo o sistema elétrico. Então, é preciso uma discussão profunda sobre o planejamento do setor. Pode dar um exemplo? Um exemplo é que hoje a produção de energia está se dando, majoritariamente, para os novos empreendimentos no Nordeste, mas o consumo está no Sudeste, sem que a transmissão esteja conseguindo acompanhar. Com isso, estamos vivenciando esses cortes de energia enormes, provocando prejuízo para os empreendedores de eólicas e solares do Nordeste, que ficam brigando para serem ressarcidos e para que as perdas sejam transferidas para os consumidores. E esse problema, pela proposta do governo, não passa nem perto de encontrar solução. Aliás, no fundo o que a proposta da reforma faz é o mesmo: apenas redistribuir custos para os consumidores. Ouso dizer que temos o único sistema do mundo em que qualquer coisa que acontece são os consumidores que pagam. A falta de diálogo prévio com os agentes explica essas lacunas na proposta? Sim, porque se a reforma é implementada sem uma discussão mais profunda, e aí me refiro a planejamento, formação de preço, governança do setor, nós continuaremos a ter problemas. Vai resolver o problema agora desses 60 milhões que vão ter uma energia muito mais barata? Sim, mas isso não impedirá que logo atrás tenham problemas maiores. Podemos usar como exemplo as reformas pelas quais já passamos e que foram bem-sucedidas. Tanto a de 1998, do governo FHC (privatização de distribuidoras, mercado livre, separação de atividades, criação de agências), como a
12 Brasil Energia, nº 494, 27 de maio de 2025 entrevista Luiz Eduardo Barata de 2003, no governo Lula (novo modelo institucional, leilões de energia, políticas de modicidade tarifária e de universalização), foram precedidas de uma ampla discussão com o setor. Tivemos a oportunidade de dizer ao presidente Lula não só da importância dessa discussão prévia, mas também da necessidade de participação intensa dos consumidores. Porque nós não participamos da discussão. Nós só somos chamados na hora de pagar a conta. Em vez da transferência de custos, para reduzir o preço da energia, o ideal então seria que o Tesouro assumisse os subsídios pagos pelos encargos da CDE? Esta é a nossa tese. Subsídio tem que ser o Tesouro que paga, não pode ser o consumidor. A tarifa social é como o Bolsa Família, o Vale Gás, quem sustenta isso é o orçamento. Mas hoje a conta do subsídio é mais de 10% do custo do setor. Isso não precisaria ser feito de uma vez, a transferência dos subsídios poderia ser paulatina, por exemplo, 25% a cada ano. O que não é justo é tudo isso ser pago pelos consumidores de energia. Ainda mais porque tem muitos consumidores que não são de baixa renda, mas têm dificuldades financeiras. A carga de impostos também é alta na composição dos custos, de mais de 20%... Sim, mas essa discussão nós já perdemos na reforma tributária. Uma forma de baratear a vida de todo mundo seria reduzir substancialmente os dois novos tributos da reforma (IBS e CBS) para a energia, enquadrando-a no grupo das atividades com regime especial. Por fim, fomos reconhecidos apenas como serviço essencial, com desconto menor. Mas, na verdade, hoje o mundo é “energo-dependente” e por isso defendemos na época a tese de que o insumo deveria entrar no regime de menor tributação, mas infelizmente fomos derrotados. Quais outros caminhos então para tentar reduzir o preço da energia para o consumidor? Além de cortar subsídios, é preciso também reordenar o setor. Porque como hoje ele está desorganizado, vez por outra a gente precisa fazer leilões, comprar energia emergencial. Cada vez que acontece isso, paga-se mais caro. Se tivéssemos um planejamento, não precisaríamos de leilão de reserva, porque eles são quebra-galhos. E esse planejamento seria atendido pela reforma setorial mais ampla que vocês defendem? Sim, não só isso. Tem outras questões importantes. Por exemplo, as fontes renováveis intermitentes, apesar de extremamente positivas, não têm todos os atributos que o sistema elétrico precisa (a chamada inércia, para controlar variações de frequência e tensão). Então talvez seria o caso de elas serem compelidas a trazerem esses atributos para a rede. Mas esse tipo de determinação só aconteceria com uma reforma. Por isso que continuo a dizer que perdemos a oportunidade de discutir amplamente o setor com essa MP do governo.
Toda Infraestrutura tem um pouco de Fictor. Acesse fictor.com.br e conheça quem trabalha por trás do seu trabalho. Sabia que tem muito trabalho por trás do seu trabalho? E todo esse trabalho, certamente, tem um pouco de Fictor. Há 18 anos, atuamos como agentes de mudança. Promovemos o desenvolvimento econômico e social do país investindo em setores estratégicos, como indústria alimentícia, serviços financeiros e infraestrutura.
14 Brasil Energia, nº 494, 27 de maio de 2025 entrevista Luiz Eduardo Barata Uma pauta que a Frente também defende é a liberdade de escolha de fornecedores de energia, ou seja, a abertura do mercado. Não foi positiva a proposta da MP 1300 de estender o benefício para a baixa tensão em 2026 (comércio e indústria) e 2027 (residências)? Sim, somos favoráveis à universalidade do direito de escolha. A dúvida é se fazer isso daqui a um ano, dois anos, não trará aumento de custo. Isso porque os contratos que as distribuidoras têm no mercado regulado vão durar alguns anos e continuarão a ter que ser pagos. Na proposta, o prejuízo que pode ser causado às distribuidoras pela sobrecontratação, com a alta migração de consumidores para o ACL, se redistribui novamente para todos os consumidores, com a criação de um encargo específico. Mas isso não resolve o problema, porque na verdade aumenta o custo da energia. Então a direção da abertura está positiva. Agora, a implementação, tenho sérias dúvidas. Imagina que aconteça uma enxurrada de migrações e todos resolvam sair? O prazo para a abertura teria que ser coordenado com o vencimento dos contratos, para não deixar as distribuidoras sobrecontratadas? Exatamente, ou chamar esses contratos para discutir, para tentar antecipar o prazo, por exemplo. Ou seja, existem soluções para tudo, desde que sejam discutidas com profundidade e com atenção. Mas a solução que eles encontraram para isso é criar mais um encargo, que vai gerar aumento de custo. Há, porém, medidas desse tipo que são corretas na reforma, por exemplo fazer todos os consumidores, não só os cativos, pagarem por Angra 1 e Angra 2, porque elas dão sustentabilidade para a operação do sistema. Agora esse custo da sobrecontratação sendo causada por uma medida intempestiva, aí eu já não concordo. E outras medidas da reforma, como as novas regras para a figura do autoprodutor por equiparação, para evitar o modelo para consumidores de grande porte diminuírem pagamento de encargos, e o fim do desconto da TUST/TUSD para consumidores da alta tensão? A autoprodução por equiparação, sou a favor de criarem regras mais restritivas. Ainda assim não é uma solução ideal. O ideal seria restringir a ponto de ser só para projetos efetivamente de autoprodução, sem dar margem para jogo. E fim de subsídios do fio eu acho positivo, mas aí de novo é uma redistribuição de custos, o custo da transmissão não diminuirá. Como a Frente pretende trabalhar durante a tramitação da MP no Congresso? O nosso primeiro trabalho vai ser de defesa contra inclusões espúrias na medida provisória e também para tentar minimizar o aumento do custo para os demais consumidores, preservando as bondades que foram dadas, obviamente, para a baixa renda, mas atuando para que a conta não aumente tanto para os demais consumidores. E, é lógico, continuaremos defendendo a necessidade de uma reforma ampla. n
Acesso ilimitado à Editoria de Energias Newsletter diária EnergiaHoje (noite) Newsletter diária Hoje na Mídia (manhã) Artigos dos Colunistas e-Revista Brasil Energia Newsletter Mais Lidas da Semana Newsletter Opinião (mensal) Serviços CLIQUE E ASSINE Informação ágil, decisão estratégica. Com EnergiaHoje, você acompanha o que move a indústria. Assine ou compre créditos para ler as matérias que quiser! Escaneie o QR Code e conheça os planos! Por menos de R$4 por dia você tem: Suas decisões começam aqui
16 Brasil Energia, nº 494, 27 de maio de 2025 governo A reforma do Setor Elétrico ganhou um novo capítulo em 16 de abril, quando o Ministério das Minas e Energia (MME) enviou a proposta de modernização do segmento à Casa Civil da Presidência da República. (N.R. Em 21/5, o presidente Lula assinou MP que agora tramita na Câmara). Novo, porque tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) 414/2021, com foco na mesma pauta. A iniciativa do MME, em paralelo com o PL do Legislativo Federal, aponta para a pulverização de iniciativas de reguO bate-cabeça na governança do Setor Elétrico Para especialistas, o recente cancelamento do LRCap 2025 demonstra que o Executivo precisa aprimorar a governança entre seus órgãos e azeitar o diálogo com o Legislativo, onde caminha em paralelo um PL para a reforma do Setor Elétrico | POR NELSON VALENCIO | Para especialistas, falta de consenso entre MME e Aneel, especialmente envolvendo o critério de despacho de energia, motivou o cancelamento do LRCap Foto: Alexandre Marchetti/Itaipu Binacional
Brasil Energia, nº 494, 27 de maio de 2025 17 lação. Na opinião de especialistas ouvidos pela Brasil Energia, a melhor articulação entre os atores do segmento poderia evitar dores de cabeça, caso do recente cancelamento do Leilão de Reserva de Capacidade na Forma de Potência (LRCap) 2025. Maysa Verzola, head da área de Direito Público do escritório Gasparini, Barbosa e Freire Advogados, destaca que o leilão foi postergado pela falta de consenso entre MME e Aneel e pela necessidade de revisar as condições de mercado e os impactos regulatórios. Na análise da especialista, enquanto o MME queria implementar rapidamente a reserva de capacidade para garantir o fornecimento, a Aneel sinalizava para a necessidade de mais tempo, a fim de evitar impactos tarifários negativos. Segundo a advogada, o imbróglio seria evitado com uma consulta pública para esclarecer a novidade do Fator A, introduzido no edital do leilão pelo MME. A inclusão adicionou um novo parâmetro ao processo de seleção do despacho de usinas pelo ONS, o qual é feito com base no Custo Variável Unitário (CVU). No modelo atual, há uma priorização das usinas com menor custo de geração - conhecido como despacho por ordem de mérito. Com a novidade proposta pelo MME, a base do despacho deixaria de ser apenas o custo e incluiria também a capacidade de resposta rápida dos geradores. “A divergência reflete a tensão entre a segurança energética, defendida pelo MME, e os efeitos regulatórios e tarifários, defendidos pela Aneel”, explica Maysa. Para ela, o lado positivo do cancelamento é a discussão sobre a implementação equilibrada das políticas no setor. O consenso, de acordo com a especialista, passa pelo aprimoramento da governança, com a maior integração e coordenação entre MME, EPE, ONS e Aneel, as quatro instituições mais importantes do segmento. “A criação de grupos de trabalho interinstitucionais e o uso de plataformas digitais compartilhadas poderiam facilitar a troca de informações e alinhar ações estratégicas”, defende. Na avaliação da advogada, as medidas garantiriam que decisões complexas, como a expansão da matriz energética e a integração das fontes renováveis, sejam tomadas de forma mais eficiente e harmoniosa. Maysa defende o papel mais claro das instituições. A Aneel, por exemplo, deveria atuar de maneira mais independente, mantendo a autonomia em relação a pressões políticas, o que asseguraria decisões mais técnicas e fundamentadas. No caso do MME e da EPE, a maior coordenação pode fortalecer o planejamento da expansão de energias renováveis e a modernização da infraestrutura. No caso do ONS, o aprimoramento passa por uma operação do sistema que considera as novas demandas energéticas e as mudanças climáticas. O receituário de Maysa é validado por Wagner Ferreira, especialista no setor de energia e sócio do Caputo, Bastos e Serra Advogados. Para ele, o processo de governança deve envolver diálogo organizado, pautas claras e alinhamento constante. Nessa fórmula, a conversa com o legislativo é outro ponto
18 Brasil Energia, nº 494, 27 de maio de 2025 governo de atenção, pois o processo decisório político mudou. “Os projetos de lei refletem iniciativas da sociedade e decorrem basicamente de uma reação dos setores e segmentos de interesse em virtude de lacunas e discordâncias sobre o atual modelo”, explica. “Esses projetos, na sua grande maioria, não surgem no congresso por iniciativa de um ou outro parlamentar, mas sim, por atores que representam interesses econômicos setoriais específicos”, completa. O desafio, na avaliação de Ferreira, é o alinhamento entre os projetos e o planejamento setorial. O desalinhamento, por outro lado, pode trazer inseguranças, que afetam os investimentos estruturantes e aumentam a judicialização, riscos e custos de transação. A ligação entre insegurança jurídica e judicialização, aliás, é apontada pelos dois especialistas. Para Maysa, as mudanças abruptas ou interpretações conflitantes das normas estão entre as principais causas da busca de soluções nos tribunais. “Elas afetam diretamente a confiança de investidores, pois criam um ambiente no qual as decisões regulatórias podem ser alteradas de forma inesperada. O cancelamento do LRCap é um reflexo dessa insegurança, uma vez que empresas que investiram e se prepararam para o leilão podem agora se ver em uma situação em que o retorno do investimento está comprometido”, resume. Uma forma de reduzir os atritos, segundo ela, é a manutenção de um canal de comunicação do MME e da Aneel com os parlamentares, explicando as implicações das propostas e evitando alterações inesperadas que possam gerar insegurança. Ela lembra ainda que a autonomia das agências reguladoras deve ser preservada, permitindo decisões técnicas. “O Legislativo deve apoiar reformas que incentivem a inovação e sustentabilidade, sem comprometer a segurança jurídica do setor”, resume. Além do aprimoramento da governança e da comunicação com legislativo, o aperfeiçoamento do setor elétrico deve incluir reformas pontuais, como assinala Ferreira. Um exemplo é a possiblidade de consultas públicas mais curtas, que podem ser assertivas, mas dependem da costura prévia entre executivo e legislativo. “O Congresso é parte dessa solução, pois é quem legisla”, finaliza. n Esta matéria é parte integrante da Série Especial “Novos Modelos e Tecnologias em Energia”, produzida pela Brasil Energia com o apoio de Quem é fonte nesta matéria MAYSA VERZOLA, head da área de Direito Público do escritório Gasparini, Barbosa e Freire Advogados WAGNER FERREIRA, especialista no setor de energia e sócio do Caputo, Bastos e Serra Advogados
Brasil Energia, nº 494, 27 de maio de 2025 19 Frederico Accon Frederico Accon é Head de Energia do Stocche Forbes Advogados. Escreve na Brasil Energia mensalmente. Coautora: Mariana Saragoça Já há alguns anos, o setor elétrico brasileiro vem discutindo o esgotamento do atual marco legal bem como a necessidade de seu aprimoramento, em especial para adequação às novas tecnologias e novas dinâmicas do mercado, bem como para a sempre esperada racionalização de subsídios e adequada redistribuição de custos e riscos. Foi neste contexto que apontamos que o Cenário legal e regulatório do setor elétrico em 2025 também contemplava a expectativa do estabelecimento do chamado novo marco legal da modernização do setor elétrico, seja pela continuidade do Projeto de Lei nº 414/2021, seja com uma nova proposta de Projeto de Lei ou Medida Provisória, o que foi repetidamente prometido pelo Poder Executivo ao longo de 2024 e no início de 2025. Tal discussão teve início no âmbito da elogiada Consulta Pública MME nº 33/2017, que há quase uma década já destacava uma série de aspectos a serem aprimorados como a abertura do mercado livre e o tratamento para sobrecontratação involuntária, a flexibilização da obrigatoriedade de contratação, a separação entre lastro e energia e mesmo a regulamentação da autoprodução de energia. Desde então, discussões sobre alguns desses temas chegaram a avançar no Congresso Nacional, em especial no âmbito dos debates relativos ao Projeto de Lei nº 414/2021, enquanto outras acabaram sendo incorporadas ao arcabouço legal por meio de outros instrumentos normativos, como, por exemplo, a abertura do mercado livre – recentemente ampliada por meio da Portaria Normativa nº 50/GM/MME – e uma espécie de emulação da separação entre lastro e energia, por meio da realização dos Leilões de Capacidade. Ainda assim, diversos outros pontos ainda careciam de aprimoramento, razão pela qual, em uma análise inicial, o mercado recebeu com bons olhos a proposta do novo marco legal apresentada pelo Ministério de Minas e Energia neste mês de abril de 2025. Em linhas gerais, a referida proposta traz alterações relevantes para (i) os beneficiários da tarifa social; (ii) a esperada abertura do mercado livre a partir de 2027 para consumidores comerciais e industriais e a partir de 2028 para os demais consumidores; (iii) uma redistribuição de custos e encargos entre o mercado cativo e o mercado livre; e (iv) fruição da autoprodução por equiparação e o não aproveitamento do desconto nas tarifas de uso pelos consumidores. A abertura do mercado livre parece ser um tema de consenso por grande parte dos agentes. Os demais temas, embora meritórios, devem ser objeto de discussões mais profundas quanto ao dimensionamento e outras especificidades, o que poderá se dar em eventual tramitação no Congresso Nacional. Agora que a proposta do MME foi tornada pública, é imprescindível que os interessados tenham uma visão ampla e abrangente para que haja uma efetiva reforma estrutural do setor elétrico. Neste momento, jabutis e pautas individuais com o intuito de beneficiar segmentos específicos podem desvirtuar o objetivo central perseguido e, mais uma vez, comprometer o avanço dessa importante agenda. Assim, é crucial que os debates estejam centrados em mudanças estruturantes, que tenham o potencial de ser tornar verdadeiras alavancas para o avanço do setor elétrico, contribuindo para a atração de investimentos. Sem prejuízo dessa reforma mais ampla e transversal, os esforços dos agentes do setor em busca de maior segurança jurídica com relação a temas como curtailment e armazenamento de energia continuam. Expectativas com a proposta do novo marco legal do setor elétrico
20 Brasil Energia, nº 494, 27 de maio de 2025 petróleo Petrobras limita em US$ 3,5 bilhões o preço dos FPSOs A estatal está utilizando o modelo das plataformas replicantes do pré-sal como referência de engenharia para as unidades produtoras que estão sendo contratadas. A ideia é baixar o peso dos topsides para a faixa de 30 toneladas | POR FERNANDA NUNES | FPSO Almirante Tamandare, em operação no campo de Búzios: novos projetos terão peso reduzido à metade Foto: Divulgação Petrobras
Brasil Energia, nº 494, 27 de maio de 2025 21 A Petrobras colocou um limite de preços para contratar FPSOs. Ela não quer pagar mais do que US$ 3,5 bilhões pelas unidades produtoras, cerca de US$ 500 milhões a menos do que está sendo cobrado, em média, pelo mercado. Com os equipamentos e serviços inflacionados, os valores, sobretudo de afretamento, saltaram da faixa de US$ 2 bilhões para US$ 4 bilhões, nos últimos anos. Para reduzir os preços, a Petrobras, em contrapartida, está disposta a receber FPSOs mais simples, com topsides mais leves. “A gente está numa toada de simplificação dos nossos projetos. O peso dos topsides dos projetos é uma das medidas de complexidade. Quando fizemos os primeiros replicantes, que foram os FPSOs instalados nos campos do pré- -sal, o peso dos topsides não passavam de 30 mil toneladas. Os (do campo) de Búzios estão passando de 60 mil toneladas. A gente precisa voltar para o básico”, afirmou a diretora de Engenharia, Tecnologia e Inovação da Petrobras, Renata Baruzzi. Ela afirma que os projetos dos replicantes estão funcionando como referência no trabalho de simplificação dos projetos dos FPSOs. “Concluímos já esse estudo e estamos implementando em vários projetos. O de (revitalização do campo de) Albacora está bem mais simples. Implementamos várias simplificações em SEAP I e II. Por conta disso, os licitantes pediram mais 60 dias (para modificar suas propostas para SEAP)”, disse a executiva. No projeto SEAP, a Petrobras aceitou a ideia proposta por um dos licitantes, de reduzir o número de um conjunto de máquinas de um dos módulos da unidade à metade, desde que fossem usadas máquinas de maior porte. O desempenho vai ser o mesmo e o projeto vai ficar mais simples. “Estudamos melhor o projeto e chegamos a uma solução tecnológica, com redução de custo de um módulo. Estamos adotando isso em vários projetos. A redução de custos e otimização farão parte de todos os projetos”, afirmou à Brasil Energia o coordenador estratégico do Programa Fortalece FPSO, Lourenço Lustosa Fróes. Atualmente, a Petrobras mantém aberta as licitações de contratação dos projetos de Albacora, SEAP I e II e Marlim Leste e Sul. Além deles, está contratando uma série de equipamentos submarinos. “A parte de subsea, no último ano, deu um crescimento enorme (de preços), até por conta de falta de competição. A gente estava com praticamente dois fornecedores. A gente trabalhou forte com o mercado. Fomos buscar novos fornecedores e, na última licitação, tivemos a grata surpresa de ter quatro propostas, com preços bem abaixo das outras licitações que a gente tinha feito”, ressaltou ela. n
22 Brasil Energia, nº 494, 27 de maio de 2025 Osmani Pontes é economista, com MBA em mercados de derivativos, opções e futuros pelo Insper e em gestão de portfólios cambiais pela EPGE/FGV. Escreve mensalmente na Brasil Energia. Osmani Pontes O Gás release nos bastidores do mercado: quem pode sair ganhando? O governo Lula, por meio do ministro Alexandre Silveira, tem adaptado alguns pontos do programa gás release para implementação, com efeitos para diversos atores importantes no mercado de gás brasileiro. Antes de explanar o caso em questão, há que se destacar que durante muitos anos o regulador ou o político defensor de interesses nacionais viu com maus olhos a presença de empresas multinacionais atuando no Brasil. Em uma afirmação sujeita ao escrutínio de um amplo e polêmico debate, a discussão ou o temor soa estéril. Na prática, o que é enviado ao exterior sob a forma de remessas e lucros atuando para a depreciação cambial, entra na conta capital como investimento direto no país ajudando o câmbio no sinal da apreciação. Um jogo de soma zero no balanço de pagamentos. Isso é importante de ser notado porque no setor de O&G muitas vezes se olha mais o exterior e menos como o mercado local se comporta com seus próprios atores. Bem, no gás release, a Petrobras seria impedida de deter mais da metade da produção de gás do país. A despeito da contrariedade da FUP, a federação dos sindicatos, a medida beneficiaria empresas que buscam escala para diluir custos como o caso da Compass. Pode também ser uma forma de baratear o combustível já que as distribuidoras deixariam de comprar da francesa Total, hoje a principal fornecedora, que pode cotar preços em dólar e com certa margem de manobra. Não significa, no entanto, que essa redução de custos se tornará redução de preços ao consumidor final, uma vez que o mercado de distribuição seguirá com poucos atores. Isso pode ser desprezado na análise em virtude da baixa proporção do segmento na formação de margens de lucro para o setor. Mas passa a importar quando tomamos a disposição dos bancos com o setor como um todo. A princípio, o sistema bancário observa com atenção o desenrolar dos fatos. Os bancos estrangeiros ainda são os que oferecem mais produtos financeiros a empresas do setor e tem na petroleira francesa a principal cliente. Uma eventual saída da Total nesse fornecimento pode gerar perdas aos bancos que não seriam facilmente remediadas com busca de novos clientes. Pelo contrário, pode gerar uma indisposição do sistema financeiro com as empresas do setor que teriam aumento de custos ou piora de condições de financiamento. Isso porque caso a Total perca mercado para leilões mais baratos da Petrobras, os bancos que administram seus ativos teriam que remanejar posições de proteção em mercado futuro na mesma monta da perda de receita, financiando essas compras com vendas de ativos mais seguros nas carreiras dos bancos. Com essa dinâmica, aumenta o risco e reduz o apetite dos bancos para assumir mais posições de risco em aporte a empresas do setor. O melhor no momento é evitar a retórica da vilania tanto dos bancos estrangeiros, quanto das companhias de fora e sobretudo das companhias nacionais. É possível haver um jogo de ganha-ganha, mas o regulador precisa garantir concorrência interna, caso contrário não haverá vencedores e somente a Petrobras perderá.
24 Brasil Energia, nº 494, 27 de maio de 2025 combustíveis Paraná constrói a rota do biometano no lugar do diesel Maior produtor de proteínas animais do Brasil, o Paraná está se preparando para transformar o biometano produzido a partir de dejetos animais e resíduos agroindustriais em combustível para o transporte rodoviário no estado | POR EUGÊNIO MELLONI | Mapa dos corredores sustentáveis: programa vai abranger 4.586 km de rodovias estaduais e federais, oferecendo o biometano e GNV em postos e diretamente para caminhões nas propriedades rurais das cidades abrangidas (IDR-PR)
Brasil Energia, nº 494, 27 de maio de 2025 25 Em fevereiro, o Governo do Estado, em conjunto com entidades do agronegócio e do transporte rodoviário, lançou a semente do Projeto Corredores Rodoviários Sustentáveis do Paraná, com o objetivo de substituir o óleo diesel por gás natural veicular (GNV) ou biometano, ou a mistura dos dois gases, nas principais vias de escoamento da produção agropecuária do Estado, bem como nas estradas que fazem a interligação das áreas produtoras com os municípios do interior paranaense, batizadas de microcorredores. O projeto é ambicioso, conforme explica Herlon Goelzer de Almeida, coordenador do programa de Energias Renováveis Sustentáveis do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR - Paraná), órgão da Secretaria de Agricultura do Estado. O programa tem como meta abranger com os corredores 4.586 quilômetros de rodovias estaduais e federais, por onde circulam 80% do transporte de cargas no estado. Essa rede também interliga diretamente 147 municípios, além de outras 159 cidades localizadas em um raio de 20 quilômetros de distância dos corredores. O projeto também inclui as estradas vicinais, que conectam as propriedades rurais aos municípios, batizadas de microcorredores. A expectativa é utilizar o biometano tanto por meio da injeção na rede da Compagás, a concessionária de gás canalizada do Paraná, atendendo à rede de postos que oferecem o GNV, quanto oferecer o biocombustível diretamente para os caminhões nas propriedades rurais ou em postos revendedores das cidades abrangidas. Nas áreas atendidas pela Compagás, mais próximas do litoral, que já compreendem Paranaguá, Curitiba e Ponta Grossa e deverão incluir Londrina e Maringá até 2030, a expectativa é que o diesel seja substituído pelo GNV, isoladamente ou misturado ao biometano. Entre Paranaguá e Londrina, já estão em funcionamento 11 postos de abastecimento de veículos leves e pesados movidos a gás. E novos postos deverão ser implantados neste ano, segundo informações do governo paranaense. Nas demais regiões do Estado, que tão cedo não deverão ser alcançadas pela rede de gás canalizado, a ideia é promover o biometano como alternativa. Almeida lembra que existe um volume de trânsito de caminhões enorme entre as propriedades rurais e os municípios, que levam insumos e materiais para os produtores rurais e trazem a produção na viagem de volta. “Para o alcance do Oeste, Sudoeste, Centro e Noroeste, será importante a conversão de frotas diesel para gás e biometano, criando demanda que viabilize a infraestrutura de postos e de produção local”, disse Almeida. “As novas rotas devem respeitar as demandas, permitindo implantar redes isoladas e a criação de novos polos de consumo”. O projeto é movido por objetivos de ordem ambiental e econômica. Um dos objetivos do governo paranaense é contribuir para promover a descarbonização do transporte rodoviário de cargas. Produzido a partir do biogás gerado pelos rejeitos da suinocultura e avicultura principalmente, o biometano proporciona uma redução de 95% das emissões de dióxido de carbono na atmosfera, em comparação com o óleo diesel. Além disso, evita a emissão do metano produzido a partir das fezes dos ani-
26 Brasil Energia, nº 494, 27 de maio de 2025 combustíveis mais, normalmente depositado nas propriedades rurais, que tem um impacto mais nocivo do que o CO2 para o aquecimento global. Outro benefício considerado é oferecer uma destinação apropriada para os dejetos dos animais, que, uma vez acumulados, podem contaminar o solo e os aquíferos. O Governo do Paraná pretende, com este projeto, preparar-se para o crescimento da demanda mundial por proteína animal. “Para que a produção de proteínas animais continue crescendo no estado é preciso tratar os dejetos das criações”, lembra Almeida. Ao conciliar interesses dos produtores rurais com os transportadores, há também a expectativa de se criar um círculo virtuoso, com o compartilhamento de benefícios. O Paraná é o segundo maior produtor de suínos do país, com uma produção de 12 milhões de cabeças por ano, ficando atrás apenas de Santa Catarina. O Estado já conta com cerca de 600 plantas de biogás, das aproximadamente 1.500 existentes no país, segundo dados do governo paranaense. Para os produtores rurais, o projeto pode criar uma demanda que contribua para a adoção de usinas de tratamento de dejetos, resolvendo um passivo ambiental e proporcionando uma nova fonte de renda. Além disso, do processo de produção do biometano sobra também o biofertilizante, que pode ser utilizado pelo produtor ou ser comercializado. Para os transportadores, o uso do biometano pode contribuir para tornar mais eficiente o transporte, além de oferecer a oportunidade de descarbonização da atividade e, de quebra, criar uma alternativa para o diesel, sujeito aos humores do mercado internacional do petróleo. Segundo Almeida, desde fevereiro, quando foi assinado um termo de compromisso, as Secretarias de Agricultura e de Planejamento do Estado, a Compagas, a Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), a Organização das Cooperativas do Estado do Paraná (Ocepar), a Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep) e a Federação das Empresas de Transporte de Cargas do Estado do Paraná (Fetranspar) estão realizando o levantamento de informações que alimentarão uma matriz de ações, a ser utilizada como base para o planejamento de medidas a serem adotadas pelo programa. Entre as ações que deverão ser adotadas está o financiamento da conversão de caminhões a diesel para o gás veicular e biometano. A expectativa é utilizar, para isso, recursos do Fundo Clima do BNDES. O projeto deverá envolver também a melhoria das condições dos microcorredores, com alargamento e recapeamento das estradas e modernização de pontes. A expectativa do governo paranaense é que os corredores e microcorredores estejam operando plenamente em um prazo de 15 anos. Quem é fonte nesta matéria HERLON GOELZER DE ALMEIDA, coordenador do programa de Energias Renováveis Sustentáveis do IDR - Paraná EDSON PACHECO, vicepresidente da Assuinoeste Toledo
Brasil Energia, nº 494, 27 de maio de 2025 27 Toledo sedia fornecimento pioneiro Considerado o maior produtor de suínos do país, o município de Toledo já está se adiantando na viabilização do uso de biometano para o transporte de cargas em microcorredores. Com cerca de mil produtores de suínos e um rebanho de quase 900 mil cabeças, o município já registra uma primeira iniciativa pioneira envolvendo a produção de biometano por um suinocultor e o fornecimento do biocombustível a uma transportadora. Emilio Angst, que vinha enfrentando dificuldades para ampliar a sua produção de suínos em sua propriedade de 3 hectares, instalou uma planta de tratamento do biogás em sua propriedade e está abastecendo caminhões da Cooperativa Primato, da qual é associado. Até então, as limitações para a deposição dos dejetos na propriedade impediam a obtenção do licenciamento ambiental para ampliar a produção de suínos. Parte dos dejetos produzidos pela sua criação tinha de ser encaminhada para outras localidades, o que resultava em um custo para o produtor. Com a instalação da planta e a possibilidade de tratamento dos dejetos, a propriedade recebeu uma licença para aumentar a produção de 1,7 mil para 7,8 mil cabeças. Com a criação ampliada, o suinocultor espera multiplicar por 3 a sua renda bruta, o que permitirá quitar o financiamento obtido para a instalação da planta em até cinco anos. Com o melhor aproveitamento da área da propriedade, Angst ampliou ainda o seu plantel Trecho entre Paranaguá e Londrina já tem 11 postos de abastecimento de veículos leves e pesados movidos a gás Foto: Compagas
28 Brasil Energia, nº 494, 27 de maio de 2025 combustíveis de vacas leiteiras de 28 para 100 cabeças e prevê ainda introduzir a piscicultura na propriedade. De acordo com o vice-presidente da Associação Regional de Suinocultores de Toledo (Assuinoeste Toledo), Edson Pacheco, o exemplo dos benefícios obtidos na propriedade de Emilio Angst deverá incentivar outros suinocultores a adotarem o mesmo caminho. “Ainda temos muitos produtores que veem somente os custos do tratamento dos dejetos e não veem os benefícios que a iniciativa pode proporcionar”, disse Pacheco. Ele acredita que, com os benefícios anunciados e com uma linha de financiamento para a instalação de biodigestores, oferecida pelo Governo do Estado, deverá ocorrer maior adesão. A Assuinoeste Toledo e o Sindicato dos Transportadores de Toledo (Sintratol) assinaram um memorando de entendimentos para implantação do Programa Toledo em Movimento, que tem como objetivo viabilizar a utilização do biometano em substituição ao óleo diesel no transporte rodoviário de carga. “Os primeiros testes com o biometano foram muito positivos, o que está despertando o interesse dos empresários do setor de transporte pela conversão dos seus veículos”, disse Pacheco. Para investir na conversão, contudo, eles querem ter a certeza de que haverá a oferta do biocombustível. n Esta matéria é parte integrante da Série Especial “Ações em Transição Energética”, produzida pela Brasil Energia com o apoio de Usina de biogás em Ouro Verde do Oeste utiliza dejetos da suinocultura para produzir energia elétrica Foto: Geraldo Bubniak/AEN
Brasil Energia, nº 494, 27 de maio de 2025 29 Bruno Armbrust é pesquisador associado da FGV Ceri e é sócio fundador da ARM Consultoria. Escreve mensalmente na Brasil Energia Bruno Armbrust Depois de anos e anos de expectativa, no final de março, finalmente, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) decidiu fazer o que já deveria ter feito há muito tempo: dar publicidade a uma parcela dos documentos que serviram de base para a venda das transportadoras NTS (Nova Transportadora do Sudeste) e TAG (Transportadora Associada de Gás). Na ocasião, a diretora substituta da ANP, Mariana Cavadinha, e relatora da proposta, defendeu a medida com a seguinte fala: “A publicidade permitirá que a sociedade civil e especialistas possam analisar os dados e identificar informações relevantes utilizadas na fixação da tarifa, contribuindo para um ambiente econômico mais transparente e eficiente.” Embora as memórias de cálculo consistam basicamente em fluxos de caixa livre que definiram as tarifas de transporte dos contratos legados, com essas informações disponíveis ficou bastante claro e evidente tudo aquilo que vários segmentos do mercado de gás tanto falavam: a margem atualmente recebida pelas empresas transportadoras de gás não partiu de um modelo regulatório baseado nas boas práticas. A resolução da ANP, a RANP nº 15/2014, que fixava os princípios da regulação das tarifas de transporte de gás natural com base em modelo de fácil compreensão – o de Receita Máxima Permitida (RMP) -, deixava claro que as Revisões Tarifárias Integrais (RTI) deveriam ser realizadas com periodicidade máxima de 5 anos, visando, de um lado, manter o equilíbrio econômico-financeiro da transportadora e, de outro, captar as eficiências da gestão do negócio em benefício dos consumidores. O princípio de todo o cálculo tarifário, importante esclarecer, é a Base Regulatória de Ativos (BRA). No caso em questão, o que tivemos foi um processo de desverticalização a partir de abertura do mercado de gás no país e, portanto, a venda dos ativos de transporte inquestionavelmente deveria ter sido precedida de uma auditoria e de uma reavaliação dos ativos das transportadoras pela ANP. E isso, claro, com a divulgação dos documentos. A publicidade dos documentos, ainda assim, não é totalmente esclarecedora. Sobram lacunas e muitas dúvidas surgiram durante a análise das informações. Por exemplo: as planilhas não seguem um padrão quando se avaliam os investimentos informados, a depreciação, os Custos de Operação e Manutenção (O&M), as Despesas Gerais e Administrativas (G&A) e as taxas internas de retorno de cada contrato legado. São itens que acabam tendo impacto significativo na Receita Máxima Requerida e na modicidade tarifária do transporte que, no Brasil, superam em muito às verificadas em outros países. Apesar de louvável, a (tardia) transparência na divulgação pela ANP de algumas informações dos contratos legados pode ser considerada intempestiva, principalmente se considerados que se tem pela frente um processo de revisão tarifária que precisa ser finalizado ainda em 2025. Ou seja, o tempo é bastante curto. A divulgação dos fluxos de caixa deixou evidente que a ANP não avaliou, num prisma regulatório, se os termos dessa negociação e dos contratos eram aderentes à regulação vigente e às boas práticas regulatórias e de governança da agência. Contratos legados, revisão tarifária e o papel da ANP Continue lendo esse artigo em: petroleoegas/contratos-legados-revisaotarifaria-e-o-papel-da-anp
editorabrasilenergia.com.brRkJQdWJsaXNoZXIy NDExNzM=