e-revista Brasil Energia 484

Edmar de Almeida • Heitor Paiva • Magda Chambriard • Osmani Pontes • Paula Kovarski • Wagner Victer ANÁLISES PETRÓLEO Análise do plano estratégico de US$ 102 bi da Petrobras para o período 2024-2028 energiahoje.com / petroleohoje.com Ano 42 - No 484 - brasilenergia.com EÓLICA Mais subsídios para salvar offshore na União Europeia e Reino Unido HIDROELETRICIDADE hidrelétricas com reservatório Hidrogênio verde vai exigir mais SOLAR Competição com módulos importados reduz produção da BYD no Brasil TERMELÉTRICA gás do pré-sal e planos de ser duplicada Marlim Azul entra em operação com COGERAÇÃO a uma usina Itaipu e meia Cogeração já supre o equivalente ESPECIAL MOSSORÓ OIL & GÁS EXPO Cobertura em vídeos e textos

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Brasil Energia, nº 484, 30 de novembro de 2023 3 Diretor Presidente Celso Knoedt Diretores Patrícia Quintão Rosely Máximo Editor Executivo Rosely Máximo Redatores Ana Luisa Egues Celso Chagas Chico Santos Esther Obriem Felipe Salgado Fernanda Legey Fernanda Nunes Laren Aniceto Marcelo Furtado Nelson Valencio Sabrina Lorenzi Colunistas Bruno Armbrust, Cid Tomanik, Claudio Sales, Edmar Almeida, Eduardo Tobias, Heitor Paiva, Ieda Gomes, Jerson Kelman, Luis Eduardo Dutra, Magda Chambriard, Marcus D’Elia, Mariana Mattos, Osmani Pontes, Paula Kovarsky, Paulo Cunha, Telmo Ghiorzi, Victor Venancio, Wagner Victer, Zilmar Souza Tratamento de Dados Mauricio Fagundes Programação Visual Ana Beatriz Leta Rafael Quintão ASSINATURAS Assinaturas Alessandra Alves assinaturas@brasilenergia.com.br Tel: (21) 3503-0303 / 98702-4237 A e-revista Brasil Energia é uma publicação aberta, suportada unicamente por seus patrocinadores e anunciantes. Publicada desde março de 1982, disponibiliza um acervo, a maior parte digital, de mais de 40 anos registrando os principais fatos e cenários do setor energético brasileiro Você também pode querer assinar uma das nossas publicações especializadas e receber como bônus acesso antecipado ao conteúdo da revista Brasil Energia: • Brasil Energy: Anual, R$ 1.575; Mensal, R$ 150 • Cenarios Eólica: Anual, R$ 1.390 • Cenarios Gás: Anual, R$ 1.390 • Cenarios Petróleo: Anual, R$ 1.390 • Cenarios Solar: Anual, R$ 1.390 • EnergiaHoje: Anual, R$ 1.220; Mensal, R$ 120 • PetroleoHoje: Anual R$ 1.220; Mensal R$ 120 Atendimento ao assinante Tel: (21) 3503-0303 / 98702-4237 PUBLICIDADE Paula Amorim publicidade@brasilenergia.com.br Rio de Janeiro Bianca Bandeira - (21) 99698-0274 Lúcia Ribeiro - (21) 97015-4654 São Paulo Alex Martin - (11) 99200-0956 Fernando Polastro - tel/fax: (11) 5081-6681 EDITORA BRASIL ENERGIA LTDA RUA CONSELHEIRO SARAIVA, 28 SALA 601 20091-030 - RIO DE JANEIRO Tel (21) 3503-0303 Perspectivas para 2024 Chegamos à última edição do ano da e-revista Brasil Energia, trazendo como destaque a evolução do segmento de E&P onshore nos últimos anos. Não só a produção dos campos em terra aumentou como a cadeia produtiva cresceu e prosperaram os programas de geração de trabalho e renda nas localidades onde há atividade de petróleo. Essa foi a constatação a partir da cobertura que a equipe especializada da Brasil Energia realizou em Mossoró, no Rio Grande do Norte, onde aconteceu a 8ª edição da Mossoró Oil & Gas Expo (MOGE). Ocupando dois pavilhões do Expocenter da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (Ufersa) – o dobro do ano anterior - a feira abrigou 130 estandes, distribuídos ao redor das três arenas onde foram apresentadas as conferências: Petróleo & Gás, ESG e Inovação. A pujança do setor se revela na presença no evento – foram 2.300 visitantes por dia -, na quantidade e relevância das palestras – mais de 100 conferencistas participaram, com representantes de empresas nacionais e internacionais, agências reguladoras, governo e universidades – e, principalmente, no número de reuniões e fechamento de negócios durante o Petrosupply Meeting, rodadas de negociação entre compradores e fornecedores. Balanço preliminar feito pelo Sebrae-RN, um dos organizadores do evento, a partir das 493 reuniões realizadas entre 12 compradoras e 95 fornecedores, mostram a expectativa média de negócios por parte dos compradores de R$ 8,540 milhões e por parte dos fornecedores de R$ 36,438 milhões. Valores superiores ao levantado na edição anterior do evento. Na retrospectiva da MOGE 2023, parte dessa edição, mais uma vez é possível ler as matérias com as principais discussões dos painéis e assistir as vídeo-entrevistas com representantes do governo do Rio Grande do Norte, diretores da ANP e de entidades de classe, CEOs e gerentes de operadoras e fornecedores, todas gravados durante o evento. O formato, que vem sendo replicado pela Brasil Energia em outros eventos do setor, permite acompanhar “de perto” o que está em debate, as perspectivas da cadeia produtiva e perceber o “clima” do encontro. Em 2024 ampliaremos esse formato de cobertura, trazendo novos temas e entregas de conteúdo. E teremos muitas novidades a apresentar! Acompanhe a Brasil Energia pelo site, redes sociais e canal do Youtube. E adquira assinaturas de nossas publicações, para receber também as notícias exclusivas e o que acontece no Brasil e no mundo todo dia por e-mail. Boa leitura e boas festas! Rosely Maximo Editora executiva

4 Brasil Energia, nº 484, 30 de novembro de 2023 acesse nossas redes sociais Editora Brasil Energia BrasilEnergiaEditora editorabrasilenergia @brasilenergia @brasilenergia edição 484 sumário petróleo 06 Análise do plano estratégico de US$ 102 bilhões da Petrobras 10 Investimentos em biorrefino e nova planta no Gaslub 13 Petrobras defende indústria nacional 15 Empresa refaz planos de aquisições 17 Brasil tem potencial de ser fornecedor global hidroeletricidade 22 Hidrogênio verde vai exigir mais hidrelétricas autoprodução 28 Cogeração já supre o equivalente a uma Itaipu e meia especial 52 Cobertura do Mossoró Oil & Gás Expo termelétrica 32 Marlim Azul entra em operação com gás do pré-sal eólica 36 União Europeia e Reino Unido aumentam subsídios para ‘salvar’ as offshore

Brasil Energia, nº 484, 30 de novembro de 2023 5 colunistas 25 EDMAR DE ALMEIDA Competitividade do hidrogênio de baixo carbono: mercado doméstico ou exportação? 21 HEITOR PAIVA Tendências contrapostas: estratégias de expansão nas indústrias de petróleo e gás nos EUA e Europa 11 MAGDA CHAMBRIARD Petróleo gera riqueza para quem? 35 OSMANI PONTES Mudanças macroeconômicas no Ocidente pósrestrição de fornecimento de gás russo 39 PAULA KOVARSKY Todo mundo quer ir para o céu, mas ninguém quer morrer 43 WAGNER VICTER Nuclear volta a ser foco em política pública nacional empresas 41 e 65 Aquisições, joint ventures e investimentos: veja o que foi destaque nos negócios nomes 70 As nomeações nas empresas solar 46 BYD reduz produção e importa parte dos módulos comercializados 48 Usina de 662 MWp entra em operação em Minas Gerais 50 Grupo AB Areias inaugura solar flutuante em lago de mineração

6 Brasil Energia, nº 484, 30 de novembro de 2023 petróleo Uma análise sobre o plano estratégico de US$ 102 bilhões da Petrobras Mudanças buscam realinhar investimentos da empresa como indutora de desenvolvimento com promessas de campanha | POR FELIPE SALGADO | Petrobras tem planos de retomar operação da fábrica de fertilizantes Ansa no Paraná

Brasil Energia, nº 484, 30 de novembro de 2023 7 A Petrobras aprovou o seu plano estratégico 20242028, com investimentos da ordem de US$ 102 bilhões para os próximos cinco anos. O valor, que supera o do plano anterior em 31%, prevê US$ 11,5 bilhões para projetos de baixo carbono. Do total, US$ 91 bilhões correspondem à projetos em implantação e US$ 11 bilhões para projetos em avaliação. Segundo a companhia, o aumento do capex está associado principalmente a novos projetos, incluindo potenciais aquisições, a ativos que estavam em desinvestimento e voltaram para a carteira de investimentos da companhia, e à inflação de custos, que impactou a cadeia de suprimentos. A área de E&P responderá por US$ 73 bilhões (71,5%). Todo o investimento em E&P corresponde a projetos em implantação, com 67% do montante destinado ao pré-sal. Serão alocados US$ 7,5 bilhões (10%) para a atividade exploratória, dividido em US$ 3,1 bilhões na Margem Equatorial, US$ 3,1 bilhões para bacias no Sudeste e US$ 1,3 bilhão para outros países. “Está incluída neste investimento a perfuração de cerca de 50 poços em áreas onde a empresa possui direito de exploração em blocos adquiridos”, disse a companhia no documento. Já a curva de produção considera a entrada de 14 FPSOs, dez dos quais já estão contratados. A expectativa é atingir a produção de 3,2 milhões de boe/dia em 2028. Em seguida, as áreas de Refino, Transporte e Comercialização (US$ 17 bi), Gás e Energias de Baixo Carbono (US$ 9 bilhões) e Corporativo (US$ 3 bilhões) completam a soma total de US$ 102 bilhões. Dos US$ 11 bilhões previstos para os projetos em avaliação, sujeitos a estudos adicionais de viabilidade antes do Novos projetos aumentarão em 225 mil barris/dia a capacidade atual de refino até 2029

8 Brasil Energia, nº 484, 30 de novembro de 2023 petróleo início da contratação e execução, US$ 5 bilhões são para a área de refino e os outros US$ 6 bi para Gás e Energias de Baixo Carbono. Incremento no refino De acordo com o plano quinquenal, a capacidade de processamento de refino da Petrobras aumentará 225 mil barris/dia e a produção de diesel S-10 em mais de 290 mil barris/dia até 2029. A previsão é apoiada pela entrada de grandes projetos como o Trem 2 da RNEST, revamps de unidades atuais e implantação de novas unidades de produção de diesel (HDT) na Revap, Regap, Replan, Rnest e Gaslub. No segmento de biorrefino, serão investidos US$ 1,5 bilhão, com foco no crescimento da capacidade de produção de Diesel R5, com 5% de conteúdo renovável, na Repar, RPBC, Reduc e Replan. Também estão contemplados recursos para instalação de plantas dedicadas de bioquerosene de aviação e diesel 100% renovável na RPBC e no Gaslub, em Itaboraí (RJ), que serão concluídas após 2028. (Veja detalhes em matéria nessa edição) Na logística, serão investidos US$ 2,1 bilhões, com ampliação e adequação da infraestrutura, investimento em terminais para otimizar as operações, ampliação de modais e melhoria da eficiência. Entre os projetos, está a construção de quatro navios da classe handy, que serão operados pela Transpetro, além de estudos para outras embarcações. No segmento de Petroquímica, a companhia avalia tanto projetos nos atuais ativos como aquisições. Investimento por área Fonte: Petrobras

Brasil Energia, nº 484, 30 de novembro de 2023 9 No PE 2024-28+, a Petrobras também marca seu retorno ao segmento de fertilizantes, com planos de retomar a operação da Ansa e a conclusão das obras da UFN 3. Com capacidade de produção de 1.975 t/dia de ureia e 1.303 t/dia de amônia, a Ansa está hibernada. A Petrobras tentou vender a unidade anteriormente, mas o processo não chegou a ser concluído. A unidade está 80% completa e tem a vantagem de estar perto do Gasbol. Oferta de gás A Petrobras pretende investir US$ 7 bilhões em projetos de gás, com foco em ampliação da infraestrutura e portfólio de ofertas de gás natural. “Em 2024, entra em operação o Rota 3 com planta de processamento com capacidade de 21 MMm3/ dia e gasoduto com capacidade de 18 MMm3/dia. Em 2028, entra em operação o gasoduto do Projeto Raia (BM-C-33), com capacidade de 16 MMm3/dia; e, em 2029, o gasoduto do projeto Sergipe Águas Profundas – SEAP, com capacidade de 18 MMm3/dia”, afirmou a petroleira. Transição energética A Petrobras destinará US$ 11,5 bilhões para projetos de baixo carbono nos próximos cinco anos, mais que o dobro do plano anterior. Segundo a companhia, as iniciativas serão voltadas a projetos de descarbonização das operações assim como o desenvolvimento e amadurecimento de negócios no segmento de energias de baixo carbono, com destaque para biorrefino, eólicas, solar, captura, utilização e armazenamento de carbono (CCUS) e hidrogênio. Investimento baixo carbono Fonte: Petrobras

10 Brasil Energia, nº 484, 30 de novembro de 2023 petróleo | POR SABRINA LORENZI | O valor considera uma biorrefinaria no antigo Comperj, o Gaslub, no município de Itaboraí, no estado do Rio de Janeiro. Na cidade de Cubatão (SP) já está sendo construída planta de diesel com 100% de conteúdo renovável, o Diesel R100, conhecido também como diesel verde. A RPBC adicionará ainda 12 mil b/d à sua capacidade produtiva de combustíveis renováveis, que será dividida igualmente entre SAF (combustível de aviação renovável, na sigla em inglês) e diesel renovável. A unidade será capaz de processar mais de 790 mil t/ano de matérias-primas renováveis. Além das plantas dedicadas de bioquerosene de aviação e diesel 100% renovável na refinaria de Cubatão (SP) e no Gaslub, os investimentos contemplam capacidade de produção de Diesel R5, com 5% de conteúdo renovável, nas refinarias: Repar, RPBC, Reduc e Replan. O diesel renovável é o primeiro combustível da nova geração de produtos mais sustentáveis que a companhia começa a ofertar ao mercado consumidor. Já foi testado o diesel renovável em frota de ônibus em Curitiba, com resultado positivo. O diretor de Transição energética e Sustentabilidade da empresa, Maurício Tolmasquim, afirmou que a ampla maioria dos investimentos em projetos de energia renovável deve ser realizada no Brasil. A empresa também avalia projetos no exterior, segundo ele, que são minoria. A Repar também já produz diesel com 5% de conteúdo renovável por meio de coprocessamento, e tem potencial para alcançar até 10%. O diesel renovável (Diesel R5) possui desempenho igual ao diesel fóssil e demonstrou a confiabilidade do produto durante todo o período de teste. A emissão da parcela renovável em relação ao diesel fóssil é até 60% menor. Eficiência energética Outro destaques do novo plano é a ampliação do Programa Reftop para todo o parque de refino, que já proporcionou à empresa economia de US$ 589 milhões nos últimos dois anos. “Por meio deste programa, a Petrobras vem atingindo as suas metas de eficiência e confiabilidade”, afirmou a Petrobras em nota à imprensa. “Com o Reftop, a Petrobras almeja colocar seu parque industrial entre os melhores do mundo em eficiência operacional e energética até 2030”, completou. Investimentos 150% maiores em biorrefino e nova planta no Gaslub Os investimentos de US$ 1,5 bilhão em biorrefino entre 2024 e 2028 representam um salto de 150% em relação ao montante previsto no plano anterior, que era de US$ 0,6 bilhão

Brasil Energia, nº 484, 30 de novembro de 2023 11 Magda Chambriard, engenheira civil especializada em petróleo, mestre em Engenharia Química, é diretora da Assessoria Fiscal da Assembléia Legislativa do RJ (Alerj) e sócia da Chambriard Engenharia e Energia. Escreve na Brasil Energia a cada três meses. Magda Chambriard Com a descoberta do pré-sal, o Brasil se tornou o 9º maior produtor de petróleo do mundo. Mérito do governo brasileiro que agiu rápido, capitalizando a Petrobras para enfrentar o desafio do desenvolvimento desse novo play e ofertando-lhe a oportunidade de se tornar a operadora exclusiva (na medida de sua própria vontade) de gigantescas jazidas petrolíferas. A partir do pré-sal, as expectativas de produção de petróleo do país se tornaram tão grandes que motivaram alterações legais e infralegais. A sociedade brasileira aplaudiu a mudança. Acreditou-se na constituição de um Fundo Soberano para investimentos em saúde e educação e na obrigação contratual de investimentos relevantes em bens e serviços no Brasil. Acreditou-se que a produção dessa riqueza geraria mais bem-estar social, em sintonia com as expectativas de desenvolvimento sustentável, nas quais estão incluídas a erradicação da pobreza, a educação e saúde de qualidade, redução de desigualdades, dentre outras. Passada mais de uma década, alguns governos e a pandemia do covid-19, a produção do petróleo cresceu, o país passou a ser um dos top 10 da produção global, mas o Brasil, que em 2012 se orgulhava do seu pleno emprego, chegou a cerca de 29,4% da população abaixo da linha da pobreza e a 8,4% da população na pobreza extrema. As obrigações das petroleiras de investimento no Brasil foram desfeitas e os investimentos da estatal muito reduzidos. No estado do Rio de Janeiro a situação não foi diferente. Em que pese a quase totalidade dos recursos petrolíferos do pré-sal estar localizada no Rio de Janeiro, assim como está a prolífica Bacia de Campos, de onde foram produzidas imensas quantidades de petróleo ao longo das últimas décadas, e em que pese o estado ser considerado a capital brasileira do petróleo, ele perdeu 9,5% dos seus postos de trabalho com carteira assinada entre 2014 e julho de 2023. Postos de trabalho essenciais para um estado que, diga-se de passagem, tem a indústria do petróleo como a sua principal fonte de empregos formais. Para o estado do Rio de Janeiro, a queda dos investimentos na indústria do petróleo, a partir da queda dos preços do petróleo cru, em meados de 2014, foi devastadora. A comparação com outros estados da federação, detentores de outras indústrias, é cruel para o Rio. No mesmo período, os empregos com carteira assinada cresceram 7,5% no Brasil, chegando a mais de 20% em Roraima, Tocantins, Maranhão, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, estados na sua maioria sem uma gota de petróleo. É nesse contexto que se avalia o atual Plano de Negócios da Petrobras, até porque a empresa é operadora praticamente única do pré-sal. Da leitura desse plano depreende-se que, no período 2024-2028, a Petrobras investirá mais 30,8% do que o estimado no plano anterior. Serão 12,8% a mais em exploração e produção (o que inclui exploração em Petróleo gera riqueza para quem?

12 Brasil Energia, nº 484, 30 de novembro de 2023 Continuação Magda Chambriard outros países), 477% em gás e energia, 150% de projetos transversais de baixo carbono, dentre outros. Na exploração e produção, apesar de ter sido cancelada a venda do Pólo Bahia, importante para a economia da região, nada se menciona em relação a investimentos nas bacias terrestres maduras, como também não fala no fomento à construção de bens e serviços no Brasil. Fala-se da entrada em produção de 14 novas plataformas no quinquênio, mas não se menciona a possibilidade de construção de pelo menos uma pequena parte dos mais de 40 barcos de apoio que serão necessários para a operacionalização da produção nessas plataformas. Falta de expertise em um país que já fez mais de duas centenas de barcos de apoio? No Rio de Janeiro, mais de 10 estaleiros encontram-se ociosos, enquanto o estado necessita seriamente alocar sua mão-de-obra produtiva. A construção de um petroleiro pode alocar cerca de 2.000 pessoas. A de um barco de apoio simples, mais de 1.000. A se considerar, para além disso, os empregos indiretos e induzidos decorrentes dessas atividades, pode-se pensar que a construção de 25% dos barcos de apoio que serão necessários para apoiar as novas plataformas a operar no quinquênio já seria um bom alívio para o Rio de Janeiro, além do cumprimento de uma promessa de campanha do novo governo. O estado do Rio de Janeiro e o Brasil contam com a Petrobras, assim como a estatal conta com o Brasil e com o Rio de Janeiro. A estatal não poderia ter a dimensão atual sem a mão forte de um governo que a fez crescer de tamanho abruptamente, ao capitalizá-la e capacitá-la para enfrentar o desafio do Pré-Sal. Espera-se, agora, que esse mesmo governo, assim como sua estatal, retribuam o esforço da sociedade em seu benefício e direcione ao Rio de Janeiro e demais estados capazes de fornecer bens e serviços, uma fatia de seus investimentos um pouco maior do que a que vem sendo destinada. Aguarda-se pelos estaleiros lotados, conforme promessa da empresa, veiculada por diversos veículos da mídia especializada, em agosto de 2023. Vale lembrar que geração de empregos e redução de desigualdades são parte das ações inerentes ao compromisso do Brasil com seu desenvolvimento sustentável, além de promessa de campanha do governo atual. A construção de um petroleiro pode alocar cerca de 2.000 pessoas. A de um barco de apoio simples, mais de 1.000

Área do Estaleiro Atlântico Sul (EAS) no Complexo Industrial Portuário de Suape Brasil Energia, nº 484, 30 de novembro de 2023 13 Sem fornecedores, Petrobras defende a indústria nacional O presidente da estatal, Jean Paul Prates, levou o tema ao presidente Lula e afirma que fomento do mercado interno é de interesse do governo | POR FERNANDA NUNES | A Petrobras quer atuar na indução, estímulo e premiação da indústria brasileira, segundo o presidente da empresa, Jean Paul Prates. Em sua opinião, o desenvolvimento do segmento fornecedor nacional é uma necessidade, num ambiente de escassez no mercado global. Com o mercado aquecido, a empresa está tendo dificuldade de garantir a competitividade em suas licitações, porque o número de ofertantes está reduzido. Além disso os lances apresentados pelas participantes dos leilões, sobretudo de FPSOs, estão mais elevados do que o habitual. Essa realidade fez com que a Petrobras estendesse o prazo do início da operação do projeto Sergipe Águas Profundas (SEAP) de 2026 para 2028, último ano no intervalo de validade do planejamento estratégico da companhia. O diretor de Engenharia, Tecnologia e Inovação, Carlos Travassos, disse, no entanto, que SEAP “é extremamente imEAS/Divulgação

14 Brasil Energia, nº 484, 30 de novembro de 2023 petróleo portante para a Petrobras, seja pela produção de gás, seja pela questão de regionalização. A viabilidade econômica do projeto fez com que a Petrobras se debruçasse sobre ele até o fim do trabalho de definição dos ativos que seriam privilegiados no quinquênio. O novo plano estratégico demonstrou que, em vez de suspender o projeto, a Petrobras optou por postergá-lo. Não foi informado, no entanto, possível mudança no cronograma de licitação do FPSO dedicado a SEAP. Segundo Travassos, todos os projetos têm um ciclo de aprovação e uma sistemática de fases e todos estão sujeitos a avaliações financeiras, feitas recorrentemente. Mas o cenário de fornecimento de bens e serviços não é o mesmo de há duas décadas. Uma das formas de resolver a questão no médio prazo, para Prates, é desenvolver a indústria nacional. A Petrobras, no entanto, não está disposta a “radicalizar”, se comprometendo a comprar apenas no Brasil. Segundo ele, esse processo faz parte de uma política de governo, que inclui ministérios e o BNDES. “Não é porque o seu Lula mandou, ou porque o mercado brasileiro precisa. Não é só isso. Isso é importante do ponto de vista de programa do governo eleito, legitimamente, na posição de acionista majoritário da Petrobras”, afirmou Prates, acrescentando que informou o presidente da República sobre essa necessidade. No setor naval, a intenção é estabelecer uma política de revitalização. “Estamos prontos para fazer isso. O problema é que eles têm que estar devidamente habilitados, qualificados, financiados, fazer parcerias com outros estaleiros de fora que têm experiência e capital para investir no Brasil”, defendeu. E&P A curva de produção projetada para os próximos cinco anos é suficiente para garantir “financiabilidade” à empresa, de acordo com o diretor de Exploração e Produção, Joelson Mendes. Já o diretor Financeiro, Sérgio Caetano, destacou que os ativos da área são viáveis mesmo a uma cotação diária do barril de US$ 35. “Fazemos uma análise de risco muito bem fundamentada da curva de produção. Estamos muito felizes com o fato deste ano entregarmos uma produção um pouco acima do planejado, principalmente com a entrada dos sistemas de produção num ritmo um pouco acima do esperado”, afirmou Mendes. Ele informou ainda que o FPSO Sepetiba será instalado no campo de Mero ainda em dezembro. Esse será o quinto sistema de produção interligado neste ano. A Petrobras vai extrair 100 mil barris de óleo equivalente a mais em 2024, em relação ao que estava previsto. Os motivos são o aumento da produtividade dos campos, ramp-ups e a interligação de novos poços. A projeção é partir de uma produção de 2,8 milhões de boe por dia, no ano que vem, para 3,2 milhões de boe por dia, em 2028.

Brasil Energia, nº 484, 30 de novembro de 2023 15 petróleo | POR FERNANDA NUNES | A Petrobras tem inserido na conta dos seus projetos de expansão da produção de óleo e gás a inflação dos preços de bens e serviços e até uma possível escassez de produtos. Para fazer frente ao atual cenário de demanda aquecida por suprimentos, o diretor de Engenharia, Tecnologia e Inovação da estatal, Carlos Travassos, fala em reajuste do planejamento e da forma de abordar o mercado. A cadeia fornecedora vive um cenário de aquecimento por conta do grande número de encomendas, boa parte delas partindo da própria Petrobras. A transição energética também tem motivado algumas empresas a redirecionar seus negócios. Com isso, caiu o número de possíveis interessados nas licitações da estatal. Ao mesmo tempo, o número de fusões aumentou, assim como a dificuldade de acesso a financiamentos pelas companhias. “Todos esses efeitos reverberam em nossos projetos e, naturalmente, temos considerado isso no planejamento, toPetrobras refaz planos de aquisições para driblar inflação O aquecimento do mercado fornecedor está forçando a companhia a recalcular os prazos e a viabilidade econômica de contratação de FPSOs e sondas FPSO Almirante Barroso, em produção no campo de Búzios, na Bacia de Santos Divulgação/Agência Petrobras

16 Brasil Energia, nº 484, 30 de novembro de 2023 petróleo mando algumas ações de reconhecimento, quando devido, dos impactos nos projetos em curso”, disse Travassos em teleconferência em novembro sobre os resultados financeiro e operacional da companhia no terceiro trimestre deste ano. Diante da dificuldade, a Petrobras montou uma sala de colaboração com os seus fornecedores para acompanhar as dificuldades de entrega e, a partir daí, ajustar seus processos de compra e garantir a competitividade dos processos. Licitações Atualmente, a estatal está com seis licitações de afretamento e aquisição de FPSOs abertas – dois para Sépia e Atapu (Bacia de Santos), um para Albacora (Bacia de Campos), um para Barracuda-Caratinga (Bacia de Campos) e dois para o projeto em águas profundas de Sergipe (SEAP). Nas três primeiras licitações, a Petrobras está em fase de negociação com os proponentes. Nas outras três, ainda aguarda propostas. As licitações de plataforma para o campo de Albacora e para águas profundas de Sergipe competem entre si, por se tratar de dois casos de afretamento. Já as unidades direcionadas à segunda fase de Sépia e Atapu são aquisições. Para ajudar o mercado fornecedor, a Petrobras tem optado por não lançar as licitações ao mesmo tempo e, em alguns casos, tem estendido a data de recebimento das ofertas comerciais. O prazo de entrega de propostas para Sergipe, por exemplo, foi adiado de 14 de outubro deste ano para 15 de janeiro de 2024. Além do mercado de FPSOs, o de sondas também está aquecido, mas a Petrobras descarta recorrer à estratégia do passado de construir seus próprios equipamentos. Segundo Travassos, nesse caso, a demanda é temporária e pontual e, por isso, não há previsão de aquisição direta. “Seguimos acompanhando o mercado, estabelecendo contratos mais vantajosos, em que a gente reduza o risco das operadoras de sondas, garanta a demanda e flexibilize a mobilização dessas sondas”, afirmou o diretor da companhia. Embora a demanda por sondas também esteja aquecida, a Petrobras descarta recorrer à estratégia do passado de construir seus próprios equipamentos

Brasil Energia, nº 484, 30 de novembro de 2023 17 Brasil tem potencial de ser fornecedor global | POR ESTHER OBRIEM | Um estudo do BNDES publicado em novembro – “A Transição Energética e o Setor de Petróleo e Gás Brasileiro” - estima que a tríplice resiliência do petróleo brasileiro – técnica, econômica e ambiental – pode consolidar o país como importante fornecedor global do combustível. De acordo com o documento, o setor de O&G deve contribuir com R$ 3,96 trilhões ao PIB nacional até 2032. Estima-se que a tecnologia de captura de carbono e o hidrogênio, por exemplo, vão atuar como catalisadores na descarbonização a partir de meados de 2030. O Brasil já utiliza tecnologias de CCUS e, somente no ano passado, a Petrobras foi responsável por um quarto de todo o CO2 capturado ao reinjetar 10,6 milhões de t de gás associado nos reservatórios do pré-sal. “Em dois campos, Tupi e Búzios, que atualmente representam 51% de sua produção total, ela atingiu a marca de 9,4 kgCO2e e 9,1 kgCO2e, respectivamente, emitidos para cada barril de petróleo produzido. Considerando integralmente Estudo do BNDES mostra que desenvolvimento de novas tecnologias e investimentos na descarbonização do setor de O&G podem garantir vantagens competitivas ao país P-67, em Tupi, é uma das 21 plataformas com sistema de CCUS da Petrobras

18 Brasil Energia, nº 484, 30 de novembro de 2023 petróleo suas emissões operacionais, a Petrobras reduziu, desde 2015, em 39% sua emissão operacional total (os chamados escopos de emissão 1 e 2), tendo emitido em 2021, considerando sua geração termelétrica, o total de 61,8 milhões de toneladas de CO2e.”cita o estudo. “O setor pode contribuir para a redução de emissões na própria produção do petróleo, que remanescerá globalmente, desde que se estabeleça como o produtor mundial com a menor pegada de carbono e seja capaz de substituir a produção mais poluente que existe em outras regiões”, destacam os cinco autores do artigo. No entanto, a regulamentação ainda trava alguns projetos voltados para a transição energética. A Petrobras, por exemplo, aguarda a criação de pelo menos dois marcos regulatórios para tocar projetos relacionados ao CCUS e ao hidrogênio verde. Produção offshore e renda petrolífera A IEA, citada no estudo, prevê que o Brasil terá destaque na produção de petróleo, respondendo por, pelo menos, 45% de toda a nova produção offshore mundial até 2030. A produção brasileira deve prover entre 5% (cenário que captura os efeitos de não se implementar mudanças nas políticas atualmente existentes) e 6% (cenário no qual se considera que todos os compromissos já anunciados pelos governos serão cumpridos integralmente) de todo o petróleo consumido no mundo. A agência também estima que os EUA, países do Oriente Médio membros Emissões brasileiras de CO2 equivalente por setor em 2020 Fonte: Climate Watch

da Opep e a Guiana incrementem a produção de petróleo no mesmo período. Outro ponto abordado pelo estudo é a importância da renda petrolífera, que pode ser usada para o financiamento, desenvolvimento e aplicação das soluções energéticas, tecnológicas e industriais que viabilizarão o alcance da meta de neutralidade de carbono. “A Noruega utiliza a renda que ainda acumula com o petróleo para ser um dos países que mais investem na agenda de combate ao aquecimento global. Sua abordagem de ter privilegiado o desenvolvimento industrial e tecnológico de seu próprio setor de P&G, em vez de focar na exploração de suas reservas petrolíferas para a mera utilização e exportação do petróleo, serve de inspiração para o Brasil no atual momento de transição mundial”, completam os autores no artigo. PD&I no Brasil O estudo ressalta que o setor de P&G brasileiro tem um arcabouço regulatório sólido e vigoroso e que que os valores da cláusula de PD&I dos contratos de E&P vêm crescendo com o aumento da produção de campos gigantes e de alta eficiência, ainda que muito afetados pela volatilidade do preço do barril do petróleo. Excluindo o ano de 2020, que foi atípico devido à pandemia de Covid-19, as cifras já beiravam os R$ 2 bilhões, tendo ultrapassado os R$ 4,4 bilhões em 2022. “Cabe destacar que parte desses recursos é direcionada ao desenvolvimento de tecnologias sustentáveis. Nada impede que no futuro seja exigido que a totalidade, ou pelo menos a maior parte, dos recursos da cláusula de PD&I seja aplicada em tecnologias voltadas à descarbonização”, analisa o estudo. n Tome melhores decisões no Brasil com os primeiros resultados do Amazonas Vision em profundidade Veja mais: www.pgs.com/ amazonasvision Já disponível

Brasil Energia, nº 484, 30 de novembro de 2023 21 Heitor Paiva atua com inteligência de mercado e pesquisa no mercado de câmbio e commodities, principalmente através de análise fundamentalista aplicada às commodities energéticas. Escreve na Brasil Energia a cada dois meses Heitor Paiva As recentes expansões empreendidas pelas grandes empresas petrolíferas dos Estados Unidos evidenciam um claro interesse contínuo no setor de combustíveis fósseis. A aquisição da Pioneer pela ExxonMobil, tornando-a a principal operadora de poços na Bacia Permiana, é um exemplo recente desta constatação. Da mesma forma, a Chevron demonstrou interesse no offshore guianês ao adquirir a totalidade da Hess Petroleum no início de outubro. Notavelmente, esse padrão de expansão não tem sido observado entre as concorrentes europeias, como a Shell, Total e BP. Esta discrepância ressalta uma clara diferença nas estratégias adotadas pelas empresas atuantes na indústria de petróleo e gás nos Estados Unidos e na Europa. As diferenças entre as estratégias das petrolíferas norte-americanas e europeias têm sido objeto de extensa documentação e estudo. De maneira geral, é possível inferir que empresas como Exxon, Chevron e ConocoPhillips encaram o processo de transição energética como uma evolução gradual. Isto lhes permite manter uma perspectiva lucrativa na produção de petróleo, especialmente se continuarem aprimorando a produtividade e, consequentemente, reduzindo os custos unitários. Tem-se, assim, a justificativa do intenso movimento de consolidação nos Estados Unidos. Por outro lado, as empresas europeias estão focadas em alcançar a independência do carbono, estabelecendo metas de geração de energia renovável mais ambiciosas do que seus homólogos do outro lado do Atlântico. A questão primordial que deve ser levantada, no entanto, é a determinação da estratégia que prevalecerá no futuro como a vencedora. Esta indagação é de natureza complexa, uma vez que sua resposta está sujeita a inúmeros cenários, sobre os quais nenhum analista possui controle absoluto. No entanto, parece evidente que a maior parte das políticas ambientais se concentra de maneira predominante no aspecto da oferta, em detrimento da demanda. Em outras palavras, a responsabilidade pela mitigação dos impactos dos combustíveis fósseis recai frequentemente sobre os produtores, enquanto os consumidores enfrentam restrições significativamente menores. Nesse contexto, um padrão se destaca: a possibilidade de um déficit de commodities fósseis, resultando em preços elevados para o petróleo e seus subprodutos, apesar dos esforços para reduzir seu consumo. Como consequência, isto poderia inadvertidamente beneficiar empresas de petróleo focadas no aumento da produtividade fóssil – que, no caso, correspondem ao grupo formado pelas petrolíferas norte-americanas. Tendências contrapostas: estratégias de expansão nas indústrias de petróleo e gás nos EUA e Europa

Usina de Xingó, de 3.162 MW, instalada na divisa de Sergipe e Alagoas 22 Brasil Energia, nº 484, 30 de novembro de 2023 hidroeletricidade Hidrogênio verde vai exigir mais hidrelétricas Alessandra Torres, presidente da Abrapch, adverte que a eletrólise eficiente precisa de hídricas na base e que a água é a matriz do H2 | POR CHICO SANTOS |

Brasil Energia, nº 484, 30 de novembro de 2023 23 A produção de hidrogênio verde no Brasil para suprir a demanda doméstica e internacional, um dos principais objetivos da transição para uma matriz energética limpa no país e no mundo, vai exigir a construção de mais hidrelétricas com reservatórios. Esta foi uma das principais conclusões do seminário realizado na sede de Itaipu (Foz do Iguaçu-PR) para discutir Inovação Tecnológica e Sustentabilidade Socioeconômica e Ambiental das Hidrelétricas. “A produção do hidrogênio verde vai demandar mais hidrelétricas no Brasil porque a energia intermitente [eólica e solar] usada para acionar os eletrolisadores requer energia na base e essa energia só vai poder ser hidrelétrica”, defendeu Alessandra Torres, presidente da Abrapch, à Brasil Energia. Ela justifica sua afirmação no fato de que a eletrólise da água, para en-

24 Brasil Energia, nº 484, 30 de novembro de 2023 hidroeletricidade tregar o H2 com eficiência técnica e econômica, precisa operar em modo contínuo. É aí que entra a energia garantida de novas hidrelétricas, necessárias para cobrir a variabilidade das fontes eólica e solar. Com as tecnologias hoje disponíveis, essa base em larga escala só pode ser a hídrica ou a térmica. Só que se a base for térmica, o hidrogênio perde o selo de verde. Além disso, para cada quilo de hidrogênio produzido são necessários nove litros de água, ou seja, segundo Torres, este será mais um papel dos reservatórios no futuro. “A produção de hidrogênio vai ter que pagar CFURH”, lembrou Alessandra, referindo-se à Contribuição Financeira pela Utilização dos Recursos Hídricos. Em relação à alternativa das eólicas offshore associadas à dessalinização da água para a produção do hidrogênio, a executiva considera que, além de ser uma alternativa cara, ainda falta um estudo mais aprofundado sobre os impactos que a proliferação dessas plantas pode trazer para a fauna marinha. Da mesma forma, Alessandra avalia que quando as baterias de lítio tiverem porte suficiente para servirem de base a grandes plantas de hidrogênio, é importante mapear os efeitos ambientais da mineração do lítio, inclusive do consumo intensivo de água que ela exigirá. “Há espaço para todos, mas as baterias deverão ser usadas em soluções menores, como em sistemas isolados à base de energia solar, por exemplo”, sugeriu. Para Torres, o quadro que se desenha para o suprimento energético em um contexto imperativo de descarbonização, na tentativa de conter a velocidade das mudanças climáticas, vai exigir da sociedade brasileira um debate para reverter a “demonização das hidrelétricas” e buscar um caminho para que elas voltem a ser construídas, com reservatórios de múltiplos usos, em harmonia com os macro objetivos socioambientais. Uma das alternativas poderia ser a construção de hidrelétricas reversíveis de ciclo fechado, de baixo impacto ambiental. Mas a presidente da Abrapch entende que os reservatórios convencionais continuarão sendo necessários, inclusive para o controle dos cada vez mais frequentes fenômenos de inundações e secas desproporcionais como atualmente ocorrem no Brasil. n ALESSANDRA TORRES, presidente da Abrapch: reservatórios também controlam inundações e secas desproporcionais

Brasil Energia, nº 484, 30 de novembro de 2023 25 Edmar de Almeida é professor e pesquisador do Instituto de Energia da PUC-Rio. Escreve na Brasil Energia a cada quatro meses. Edmar de Almeida O mundo e o Brasil estão vivendo um grande entusiasmo com o desenvolvimento da indústria do hidrogênio sustentável. O hidrogênio produzido a partir de fontes energéticas renováveis ou a partir de fontes fósseis associadas à captura e estocagem e uso de CO2 (CCUS) é visto como um vetor fundamental da descarbonização dos segmentos “hard to abate”, ou seja, aqueles que não podem ser descarbonizados a partir da eletrificação dos processos. Este é o caso dos setores industriais que precisam de calor em alta temperatura e indústrias como cimento, siderurgia e fertilizantes, que utilizam o gás natural como matéria prima; do transporte marítimo ou aéreo. No Brasil, já existem mais de 50 projetos de hidrogênio verde em avaliação somando cerca de 30 bilhões de dólares em investimentos potenciais. O grande foco destes projetos é a exportação de produtos produzidos com o hidrogênio de baixo carbono, tais como a amônia verde. Vários portos brasileiros estão desenvolvendo projetos para se posicionarem como hub de hidrogênio. Este é o caso dos Portos de Pecém no Ceará, Porto de Açú no Rio de Janeiro, ou Porto de Suape em Pernambuco. O entusiasmo com a exportação de hidrogênio e derivados está associado, por um lado, à grande disponibilidade e baixo custo de produção de energia elétrica renovável no país; e, por outro lado, ao interesse europeu de importação de hidrogênio sustentável. Recentemente, a Alemanha organizou um leilão internacional para aquisição de amônia verde, isto é, amônia produzida a partir de hidrogênio verde. As fontes renováveis de geração se tornaram indiscutivelmente as mais competitivas para a expansão do setor elétrico nacional e o baixo custo e alta elasticidade de oferta da geração elétrica renovável no Brasil colocam o país em condição de grande vantagem competitiva para a produção de hidrogênio verde. Por esta razão, existe a expectativa que o Brasil produza hidrogênio verde com o menor custo nivelado do mundo em 2030. Entretanto, existe uma grande distância entre esta expectativa e a realidade do mercado nacional de energia elétrica. A elevada carga fiscal, os encargos na tarifa de energia e os elevados custos de transmissão implicam numa grande distância entre o custo da geração elétrica e o preço final da energia no país. Ao mesmo tempo, a política energética na Europa e nos Estados Unidos estão implementando subsídios massivos para produção de hidrogênio sustentável. No caso americano, os subsídios podem atingir US$3 por quilo de hidrogênio. Outro aspecto a ser considerado é que ainda não está comprovada a competitividade do transporte do H2, e mesmo dos derivados de hidrogênio produzidos no Brasil, até o mercado europeu. A oportunidade de exportação de hidrogênio e produtos descarbonizados deve ser avaliada por atores públicos e privados. Não restam dúvidas que representa uma oportunidaCompetitividade do hidrogênio de baixo carbono: mercado doméstico ou exportação?

26 Brasil Energia, nº 484, 30 de novembro de 2023 Continuação Edmar de Almeida de para o país. Entretanto, o entusiasmo com a exportação de hidrogênio e derivados não pode ofuscar aquela que é a oportunidade mais viável a curto prazo para a cadeia de hidrogênio no Brasil, que é justamente a descarbonização de setores e empresas industriais brasileiras. A produção de hidrogênio de baixo carbono de forma descentralizada no Brasil, ou seja, nas próprias fábricas, utilizando energia da rede ou a geração distribuída, é o caminho mais viável para iniciar o desenvolvimento da indústria do hidrogênio no Brasil, pelas seguintes razões: A produção no local de consumo evita custos com o transporte do hidrogênio; A energia elétrica da rede no Brasil já é basicamente descarbonizada, tendo atingido o nível de 92% de fontes renováveis em 2022; A tecnologia de eletrolisadores atual não possui economias de escala significativa. Os eletrolisadores disponíveis comercialmente ainda estão limitados a 10 MW de potência; Ao produzir localmente o hidrogênio, as empresas podem aproveitar não apenas o hidrogênio para substituir combustíveis fósseis, mas também o oxigênio produzido para melhorar a qualidade da queima em fornos, aquecedores e secadores. Autoprodução do hidrogênio evita a sua comercialização e impostos associados à venda. O Brasil não vai ter condições econômicas e fiscais de oferecer o mesmo nível de subsídios oferecidos pela Europa e os Estados Unidos para viabilizar projetos de hidrogênio de baixo carbono no país. Por esta razão, a política pública deve priorizar aqueles projetos que têm maior potencial de viabilidade. Estudos realizados pelo Instituto de Energia da PUC-Rio demonstraram que o hidrogênio verde já pode ser competitivo com o gás natural, em projetos voltados para substituição parcial do gás via mistura entre 5 a 15% no gás consumido pela fábrica. Esta viabilidade é possível com o preço final atual do gás natural (cerca de US$16,00 por MMBTU), o preço da energia elétrica de US$45,00 por MWh, e o capex do eletrolizador a US$1.600,00 por kW. O hidrogênio sairia ao mesmo preço do gás natural considerando os benefícios do aproveitamento do oxigênio (ou seja, redução adicional do consumo de gás em função do uso do oxigênio produzido na queima) e um crédito de carbono de US$50,00 por tonelada. Ou seja, já estão dadas as condições para a materialização de investimentos em projetos para produção do hidrogênio sustentável na indústria. Estes projetos podem se materializar mais rapidamente em função da menor escala de produção e menor complexidade comercial. Desta forma, é fundamental que a política pública priorize projetos de produção de H2 na indústria, que têm maior viabilidade econômica. Esta priorização poderia se dar através de uma política para: i) financiamento de projetos piloto na indústria com taxas de juros favoráveis; ii) classificação dos projetos piloto de hidrogênio como projetos de inovação; iii) e desoneração da importação de bens e serviços para projetos piloto na indústria. Ademais, é fundamental a implementação de políticas que teriam efeito para todos os tipos de projetos de hidrogênio de baixo carbono, tais como: i) implementação do mercado de carbono regulado; ii) desenvolvimento de uma política nacional de certificação do hidrogênio de baixo carbono; iii) Incentivos para o desenvolvimento da cadeia fornecedora no Brasil; iv) implementação de uma política de desoneração e redução dos encargos sobre da energia elétrica.

28 Brasil Energia, nº 484, 30 de novembro de 2023 autoprodução Cogeração já supre o equivalente a uma Itaipu e meia Exportação média mensal de 3,2 GW para o SIN poupa 14% dos reservatórios do Sudeste-Centro Oeste | POR ESTHER OBRIEM | Usina de cogeração a biomassa Vale do Paraná, da Albioma, localizada em Suzanápolis (SP) A capacidade instalada de cogeração de energia em operação comercial no Brasil atingiu a marca de 20,6 GW em setembro. O volume equivale a quase uma vez e meia a capacidade instalada da maior hidrelétrica do país, a de Itaipu, com 14 GW, de acordo com a Cogen, com base em dados da Aneel. No mês passado, somente a cogeração com resíduos de madeira ultrapassou a marca de 1 GW após incorporar 26,45 MW da usina FS Primave-

Brasil Energia, nº 484, 30 de novembro de 2023 29 ra, localizada em Primavera do Leste (MT). Em 2022, a capacidade instalada nacional chegou a 20,4 GW. No total, o Brasil conta com 656 usinas de cogeração. Atualmente, o bagaço de cana-de-açúcar lidera o ranking com 388 usinas e capacidade instalada de 12,43 GW. O volume é equivalente a 60,3% da cogeração total do país. Em seguida, está o licor negro com 21 usinas e 3,40 GW; gás natural, com 93 unidades e 3,15 GW. Já o cavaco de madeira conta com 74 plantas e capacidade de 1,01 GW; e o biogás com 51 usinas e 376 MW. As outras fontes somam uma capacidade de 277 MW, oriundas de 29 unidades. O presidente executivo da Cogen, Newton Duarte, expôs que, nos períodos secos, as biomassas exportaram, em média mensal, mais de 3,2 GWh para o SIN. No ano passado, o segmento ajudou a poupar 14 pontos percentuais do nível de reservatórios dos subsistema Sudeste/Centro-Oeste. “Acreditamos que os organismos de planejamento poderiam ser mais assertivos ao sinalizar a expectativa de crescimento da cogeração. Isso seria importante para a decisão de investimento. O potencial de crescimento é expressivo, sobretudo com as possibilidades de um novo uso da cana-de-açúcar e seus reCogeração por fonte e por estado Estados Bagaço Licor negro Gás natural Madeira Biogás Outros Total N. MW N. MW N. MW N. MW N. MW N. MW N. MW SP 194 6.331 3 451 37 612 5 13 15 141 1 2 255 7.550 MS 21 1.110 3 717 1 5 3 82 1 3 0 0 29 1.917 MG 42 1.510 2 303 11 177 7 46 5 24 0 0 67 2.060 GO 31 1.481 0 0 0 0 2 8 0 0 0 0 33 1.489 RJ 1 44 0 0 18 1166 0 0 5 40 1 3 25 1.253 PR 25 620 3 598 2 16 9 71 6 46 0 0 45 1.351 BA 1 16 3 487 8 502 1 17 1 20 1 30 15 1.072 RS 0 0 1 251 5 82 5 50 5 25 11 61 27 469 PA 2 12 1 55 1 14 6 256 1 14 2 4 13 355 RN 2 57 0 0 1 323 0 0 0 0 0 0 3 380 AL 20 357 0 0 2 4 0 0 0 0 0 0 22 361 PE 20 337 0 0 2 8 0 0 2 29 0 0 24 374 MA 2 9 1 260 0 0 0 0 1 10 3 30 7 309 MT 9 206 0 0 0 0 13 212 2 2 3 54 27 474 ES 3 69 1 210 2 14 0 0 0 0 1 4 7 297 SC 2 8 3 76 0 0 14 175 4 8 2 4 25 271 CE 0 0 0 0 2 224 0 0 0 0 0 0 2 224 PB 5 98 0 0 0 0 0 0 1 3 0 0 6 101 TO 1 80 0 0 0 0 1 12 0 0 0 0 2 92 SE 5 60 0 0 1 5 0 0 0 0 0 0 6 65 AM 1 5 0 0 0 0 1 9 1 9 0 0 3 23 RO 0 0 0 0 0 0 1 24 0 0 1 13 2 37 PI 1 27 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 27 AP 0 0 0 0 0 0 0 0 1 2 1 2 2 4 RR 0 0 0 0 0 0 5 38 0 0 2 21 7 59 AC 0 0 0 0 0 0 1 2 0 0 0 0 1 2 Total 388 12.437 21 3.408 93 3.152 74 1.015 51 376 29 228 656 20.616 Fonte: Cogen

30 Brasil Energia, nº 484, 30 de novembro de 2023 autoprodução Evolução da capacidade instalada de cogeração (em GW) Capacidade instalada de cogeração por fonte Fonte MW Usinas % MW Média de MW/Usina Bagaço de cana 12.437 388 60,30% 32 Licor negro 3.407 21 16,50% 162 Gás natural 3.152 93 15,30% 23* Madeira 1.016 74 4,90% 14 Biogás 376 51 1,80% 7 Outros 227 29 1,10% 8 Fonte: Cogen * desconsiderando plantas maiores que 500 MW Expansão da capacidade Ano MW 2023 452 2024 789 2025 232 2026 343 Total 1.816 Fonte: Cogen Cogeração das biomassas % GW Bagaço de cana 72 12,3 Licor negro 20 3,4 Madeira 6 1,0 Outras 2 0,3 Total 100 17,1 Fonte: Cogen Segmentos atendidos pela cogeração Segmento MW Sucroenergético 12.437 Papel e celulose 3.407 Petroquímico 2.256 madeireiro 861 Alimentos e bebidas 648 Siderúrgico 482 Saneamento 260 Agropecuário 63 Biocombustíveis 96 Comercial 57 Automobilístico 21 Cerâmicas 14 Outros 13 Fonte: Cogen

Brasil Energia, nº 484, 30 de novembro de 2023 31 síduos com o advento da produção de biometano”, destacou. Outra aposta é no crescimento da cogeração a gás natural, especialmente com perspectivas de novos ofertantes da molécula. Segundo Duarte, o movimento pode aumentar a viabilidade de projetos no setor. Ranking da cogeração O estado de São Paulo lidera o ranking por unidades da federação de cogeração por biomassa, com 7,4 GW instalados. Depois, aparece Minas Gerais (2,1 GW), Mato Grosso do Sul (1,9 GW); Goiás (1,5 GW); Rio de Janeiro e Paraná (cada um com 1,3 GW) e Bahia (1,1 GW). Entre os cinco setores industriais que mais usam a cogeração estão o sucroenergético (12,437 GW), papel e celulose (3,407 GW), petroquímico (2,256 GW), madeireiro (861 MW) e alimentos e bebidas (648 MW). Em expansão até 2026 A Aneel estima uma adição na capacidade instalada de 1,8 GW até 2026, com média de 454 MW por ano. Nas previsões da agência, os acréscimos são de 452 MW (2023), 789 MW (2024), 232 (2025) e 343 MW (2026). Os dados são do painel “Acompanhamento da Implantação das Centrais Geradoras de Energia Elétrica”. n

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