e-revista Brasil Energia 485

Brasil Energia, nº 485, 29 de fevereiro de 2024 57 Bruno Armbrust é sócio diretor fundador da ARM Consultoria, ex-presidente do grupo Naturgy na Itália de 2004 a 2007 e no Brasil de 2007 a 2019. Escreve na Brasil Energia a cada dois meses. Bruno Armbrust Coautores: Ignacio Pascual e Sergio Soares, consultores da ARM Consultoria Um dos pontos mais nebulosos do mercado brasileiro de gás natural, com toda certeza, são os contratos legados de transporte celebrados entre a Petrobras e as transportadoras de gás. E é por isso que tomamos a liberdade de pegar emprestado o título de um ótimo artigo escrito em 2021 por Luiz Barroso e Bernardo Bezerra (consultoria PSR) dedicado a tema similar no setor elétrico. O título se encaixa porque o assunto volta à tona com uma recente Consulta Pública da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), a CP 17/2023. Aberta no final de dezembro, a CP 17/2023 trata da proposta de tarifas da Nova Transportadora do Sudeste (NTS) para o ciclo 2024-2028. E a proposta é condicionada aos já citados contratos legados, algo que não deveria ocorrer, dadas a legislação e a regulação vigentes que estabelecem claramente as regras e a obrigatoriedade de realização periódica de revisões das tarifas de transporte pela ANP. Cabe ressaltar que nos distintos processos de propostas tarifárias não foi percebida uma padronização de critérios adotados pela ANP, conforme indica a resolução 03/2022 do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). Tampouco se pode dizer que as informações disponibilizadas tiveram uma ampla transparência, ou seja, estão longe das boas práticas internacionais. Nas contribuições enviadas pela ARM Consultoria para a CP 17/2023, deixamos claro ser imperioso que a ANP realize, no curto prazo, uma revisão de tarifas integral, conforme as boas práticas internacionais e, mais importante, em obediência ao que está previsto na legislação e na Resolução 15/2014. Considerando que grande parte dos volumes desses contratos legados só finalizam após 2030, tal revisão deveria, ao menos, desatrelar as capacidades contratadas por Comercializadores/Carregadores (não Petrobras) das receitas dos contratos legados. Deveria ser desnecessário ressaltar que a venda dos ativos de transporte da Petrobras, que originou os contratos legados, foi uma operação comercial entre agentes privados. O pagamento das receitas previstas nesses contratos está garantido, na sua totalidade, pela Petrobras. Tais receitas são fruto desse acordo privado, e não guardam correspondência com a remuneração justa e razoável que deveria ter a transportadora, baseada nos custos do serviço e no adequado retorno do capital investido, conforme recomendado pelas boas práticas internacionais e determinado pela legislação e regulação vigentes. A garantia de pagar às transportadoras, portanto, foi assumida – em uma negociação bilateral – pela Petrobras. Cabem a ela o ônus e o bônus decorrente dessa negociação. Não se pode admitir, assim, a transferência compulsória desse ônus para os consumidores, de modo a impor tarifas onerosas até o final de 2031, que acabarão por obstruir ou pelo menos dificultar a abertura do mercado de gás no País. Cabe ressaltar que o item XXXVI, do Art. 3º da Lei 14.134/2021 determina expressamente como deve ser calculada a Receita Máxima Permitida de Transporte. Todavia, a Nova Lei do Gás faz uma ressalva em seu Art. 44 sobre a preservação das receitas dos contratos legados sem, contudo, equiparar as receitas dos mesmos à Receita Máxima Permitida de Transporte. Os contratos legados são instrumentos jurídicos de caráter privado, que precisam ser respeitados, mas vinculam exclusivamente as suas partes. Todavia, as tarifas resultantes da receita preservada/garantida dos contratos legados estão sendo equivocadamente aplicadas a todo o mercado, quando deveriam estar restritas à Petrobras, a parte que tem a obrigação de garantir as receitas previstas nesses contratos e que originam essas elevadas tarifas. Na sua proposta, a NTS só apresentou dados referentes ao Gasig, insuficientes para a realização dos cálculos da Receita Máxima Permitida e das respectivas tarifas nos termos estipulados na Lei no 14.134/2021 e na RANP 15/2014. A proposta tariQueremos abrir o mercado de gás? Precisamos falar sobre os contratos legados

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