entrevista com JERSON KELMAN Ano 43 - No 490 - brasilenergia.com PETRÓLEO Balanço do E&P 2024 e as Perspectivas para 2025 LEILÃO DE CAPACIDADE Como os agentes reagiram às novas regras da disputa RENOVÁVEIS Energia geotérmica, novo potencial também no Brasil HIDRELÉTRICAS Reservatórios e os benefícios socioeconômicos com a água
NOSSA ENERGIA VEM DA NATUREZA E VAI PARA O FUTURO Nossa energia vem da água, do vento e do sol porque está sempre conectada com o futuro. Com 97% de geração limpa, temos o compromisso de contribuir para a transição energética investindo em soluções inovadoras que apoiam nossos clientes. Afinal, a energia para construir um futuro mais sustentável não para.
Iniciamos 2025 com muitos projetos e planos programados para acontecer ao longo do ano. Estamos otimistas com o papel que a mídia especializada tem sido desafiada a assumir numa época em que qualquer informação está disponível a todos, em quantidade e velocidade. Como quase todas as profissões e atividades, os jornalistas e o Jornalismo também estão vivendo seu momento de autoavaliação. Mas percebemos que prestamos uma contribuição gigante à sociedade em meio a tantas dúvidas geradas numa época da pós-verdade, das fake news e até mesmo da IA. Confiamos no nosso time de Jornalistas quando assinam seus nomes no início de cada matéria, construída com as boas técnicas da prospecção de fatos e dados. Confiamos no nosso corpo de Colunistas, todos com vasta experiência, quando trazem luz, aprofundamento e reflexão em seus artigos, também assinados. Parece pouco, parece até óbvio. No entanto, trabalhamos com coração o mês inteiro e esperamos que você encontre muita informação confiável e relevante nas páginas desta edição. Boa Leitura! Celso Knoedt Diretor Presidente edição 490 sumário olá leitor, PETRÓLEO 36 Perspectivas para 2025 39 Balanço 2024 • Exploração onshore reduz ritmo • Produção onshore cresce mais de 8% • Forte expansão na exploração offshore • Produção offshore tem leve queda 17 Hidrelétricas, Água e Sustentabilidade 65 Ações em Transição Energética 103 Novos Modelos e Tecnologias em Energia SÉRIES ESPECIAIS ENERGIA 96 O que pensam os agentes sobre o Leilão de Capacidade • Abraget: LRCap 2025 será um certame de confiabilidade • Abrage comemora inclusão de hidrelétricas, mas vê 2030 longe • Contratação de térmicas existentes é alento RENOVÁVEIS 118 Energia Geotérmica e suas inúmeras possibilidades
102 FREDERICO ACCON Cenário legal e regulatório do setor elétrico em 2025 95 BRUNO ARMBRUST Proposta de agenda 2025 do Programa Gás para Empregar 44 JOSÉ ALMEIDA DOS SANTOS Potencial das nanopartículas na recuperação de campos maduros 54 MÁRCIO ÁVILA Royalties do petróleo: a nacionalidade do hidrocarboneto importa? 59 MARCELO CASTRO Oportunidades com o descomissionamento no setor de O&G 49 OSMANI PONTES O sistema financeiro e a transição energética 14 RUBEM CESAR SOUZA Governança para a Transição na Amazonia 16 WAGNER VICTER Energia Geotérmica: nova perspectiva no Brasil 64 ZILMAR SOUZA Perspectivas de 2025 para o Setor Elétrico Brasileiro 6 JERSON KELMAN A proposta de uma Unidade Geradora Ideal 60 ARNALDO JARDIM “O Brasil é o país da energia barata e da conta cara” edição 490 sumário EDITORA BRASIL ENERGIA – Rua Conselheiro Saraiva, 28 / 601, CEP 20091-030 – Rio de Janeiro - Tel (21) 3503-0303 - www.brasilenergia.com Diretor Presidente: Celso Knoedt – Diretores: Alessandra Alves. Patricia Quintão. Rosely Maximo – Editora Executiva: Rosely Máximo – Redatores: Ana Luisa Egues, Celso Chagas, Chico Santos, Eliane Velloso, Esther Obriem, Eugenio Melloni, Fernanda Legey, Fernanda Nunes, Liana Verdini, Marcelo Furtado, Nelson Valencio, Sabrina Lorenzi - Tratamento de Dados: Mauricio Fagundes - Programação Visual: Ana Beatriz Leta, Rafael Quintão ASSINATURAS: Alessandra Alves, assinaturas@brasilenergia.com.br - Tel: (21) 3503-0303 / 98702-4237 • BRASIL ENERGY: Anual, R$ 1.795; Mensal, R$ 172 • ENERGIAHOJE: Anual, R$ 1.390; Mensal, R$ 136 • PETROLEOHOJE: Anual R$ 1.390; Mensal, R$ 136 • CENÁRIOS EÓLICA: Anual, R$ 1.585 • CENÁRIOS GÁS: Anual, R$ 1. 585 • CENÁRIOS PETRÓLEO: Anual, R$ 1. 585 • CENÁRIOS SOLAR: Anual, R$ 1. 585 ATENDIMENTO AO ASSINANTE: Tel: (21) 3503-0303 / 98702-4237 PUBLICIDADE: Paula Amorim, publicidade@brasilenergia.com.br - Lúcia Ribeiro (21) 97015-4654, Alex Martin (11) 99200-0956 e Fernando Polastro, (11) 5081-6681 ENTREVISTAS COLUNISTAS
Brasil Energia, nº 490, 28 de janeiro de 2025 5 imagem do mês O Campo de Carmópolis, no município sergipano de mesmo nome, é o mais produtivo de petróleo em terra do país. Operado pela empresa Carmo Energy, produz quase 7.000 barris diariamente, extraidos por centenas de unidades de bombeio vistas nessa foto. O campo foi descoberto em setembro de 1963 e começou a operar no mês seguinte. Sua concessão atual vai até o ano de 2052. Foto: Google Earth
6 Brasil Energia, nº 490, 28 de janeiro de 2025 entrevista Jerson Kelman
Brasil Energia, nº 490, 28 de janeiro de 2025 7 Jerson Kelman considera que o setor elétrico pode corrigir boa parte das distorções separando lastro e energia e remunerando ambos pelo que oferece ao consumidor. E explica. Desde que o suprimento hidrotérmico do passado evoluiu para o complexo sistema atual, em que as fontes intermitentes, solar e eólica, passaram a responder por parte significativa da oferta e o mercado livre atrai mais e mais adeptos, o consumidor não compra apenas MWh. “No passado, não se levava em conta nem se remunerava fatores como despachabilidade, inércia e flexibilidade, porque eram intrínsecos à geração hidrelétrica e termoelétrica. Mas as fontes eólica e solar não podem garantir esses atributos extremamente essenciais à estabilidade do sistema e crescem sua participação na matriz todos os dias. Em outras palavras, antes a métrica Reais por MWh satisfazia. Hoje não mais”. Para ele, perdemos a oportunidade de ir em frente com a CP33, em 2017, e se não conseguirmos resgatar esse modelo dentro da reforma do setor elétrico será preciso encontrar uma alternativa. Então ele apresenta a ideia inovadora de uma Unidade Geradora Ideal, capaz de reunir e oferecer todos os atributos “Separar lastro de energia é cada vez mais inadiável” Em meio à expectativa e pressão crescentes por uma nova reforma do setor elétrico, a Brasil Energia conversou com Jerson Kelman, um dos especialistas mais reconhecidos no país pelas suas passagens como gestor da ANA, Aneel, ONS, Sabesp e Light. | POR LIANA VERDINI |
8 Brasil Energia, nº 490, 28 de janeiro de 2025 entrevista Jerson Kelman para um suprimento estável constituída pelo consórcio de vários geradores das diversas fontes associados. “Nenhuma fonte geradora reúne todos os atributos necessários a um suprimento estável” disse. “A hidrelétrica é a que mais atributos reúne, mas ainda assim pode parar por falta d’água”, reconheceu. A Unidade Geradora Ideal seria, portanto, uma usina hipotética, definida em lei a partir de uma proposta da Aneel, um espelho para que qualquer gerador possa garantir suprimento estável ao oferecer energia para a população. E como nenhuma fonte é capaz de oferecer todos esses atributos, os agentes geradores - eólicos, solares, hidrelétricos e térmicos das diversas fontes – seriam levados a se associar livremente, como movimento de mercado, para se complementar entre si e garantir o suprimento. “Uma coisa é o lastro, que garante a infraestrutura operacional do sistema e precisa ser remunerado por todos os consumidores, do ambiente cativo e livre. A outra é a energia com que cada gerador é remunerado conforme sua produção média, ao longo dos 365 dias do ano”. E como essa Unidade Geradora Ideal sairia do papel? Nesta entrevista concedida à jornalista Liana Verdini, Kelman explica melhor o conceito e ressalta os diversos benefícios para a sociedade do uso múltiplo das águas, um bem que a cada dia se torna mais precioso, em consequência das mudanças climáticas. O Brasil sempre foi conhecido por seu imenso manancial hídrico. Mas com as mudanças climáticas, o senhor acha que o Brasil corre algum risco mantendo sua matriz energética majoritariamente hidrelétrica, que hoje está em 52%? Não. As usinas hidrelétricas possuem uma série de atributos que muitas outras fontes de energia não têm. E essas outras fontes de energia, nomeadamente eólica e solar, não são despacháveis e nem têm a inércia e a flexibilidade que as usinas hidrelétricas têm. Essas novas fontes seriam inviáveis participando da matriz elétrica brasileira na proporção que já participam se no passado não tivéssemos construído as hidrelétricas. Então as hidrelétricas eram importantes no passado e são mais ainda importantes no presente. Mas a inconstância das chuvas nos mananciais e as crises hídricas não deixam o sistema elétrico do país vulnerável? Eu penso que as hidrelétricas têm, de fato, um calcanhar de Aquiles, que são as eventuais crises hídricas. Em casos de falta da água, temos que recorrer a outras fontes energéticas. No passado, essas outras fontes eram as termelétricas. Hoje tem um mix: termelétricas e as novas fontes renováveis, que são as solares, eólicas e as baseadas em biomassa. De fato a participação das hidrelétricas está diminuindo, mas creio que a necessidade dos serviços que as hidrelétricas prestam fará com que daqui a algum tempo se volte a construir novas hidrelétricas. Já faz um tempo que o país não tem projetos para hidrelétrica de maior porte... Em um artigo que escrevi recentemente, chamei a atenção para o fato de as fontes energéticas terem características distintas. E é um equívoco nivelar todas
Brasil Energia, nº 490, 28 de janeiro de 2025 9 elas usando uma única métrica, de real por MWh, isto é, pelo custo de produção da energia. Essa é a métrica do passado. Aliás, é a única métrica relevante do passado porque as hidrelétricas prestavam vários outros serviços que não eram nem sequer notados. Agora, quando o sistema começa a ter dificuldades por falta de inércia ou falta de flexibilidade, esses outros atributos se tornaram relevantes. E aí há dois caminhos possíveis para corrigir o erro histórico de ter essa única métrica: ou você desenvolve novas métricas e reconhece que os atributos da hidrelétrica não são só energia barata, mas também a capacidade de despachar a usina na hora que se quiser, a possibilidade de a usina sair do zero a 100% da potência em alguns segundos, a capacidade de a usina ter inércia, que é fundamental para manter a frequência e a tensão do sistema. Essas coisas todas ninguém notava. Elas existiam, mas não eram reconhecidas. Então uma maneira de fazer é agora começar a descrever a fonte geradora não por um escalar, não por uma única medida, não pela quantidade que produz, mas também por todos os outros atributos da geração. Essa é uma maneira. A outra maneira seria a agência reguladora, a Aneel, descrever uma unidade de geração como uma entidade que tem todas as propriedades necessárias, algumas até que nem uma hidrelétrica tem, como a capacidade de gerar energia tenha ou não tenha água. Então, por meio de uma proposta de lei, se aprovada, a Aneel poderia na regulamentação conceber uma unidade geradora ideal, que tenha todos os atributos possíveis. E deixar que o mercado, isto é, os agentes geradores, decidam como comercialmente se associar, como se complementar. Por exemplo, uma usina solar, que não é despachável nem tem inércia, procura uma usina hidrelétrica ou uma termelétrica para se associar. Desse modo, os próprios agentes do setor formariam conglomerados para se apresentarem ao sistema elétrico como uma Unidade Geradora Ideal, esse descritivo legal que vem com todos os atributos descritos. Eu penso que essa segunda alternativa é muito interessante. O senhor acha que a gente está caminhando para isso? Quer dizer, o governo já começa a se preocupar com essa intermitência do sistema? Porque a gente tem 52% de hidrelétrica, que é despachável a qualquer momento, mas tem a eólica e a solar que são intermitentes. Acabou o sol, acabou o suprimento das solares. Acabou o vento, não tem mais carga. Eu não sei se o governo está preocupado com isso. Mas certamente a Aneel, o ONS, a EPE estão. E acredito que como no governo tem técnicos muito capazes, acredito que também o Ministério esteja preocupado sim. Temos uma matriz renovável bastante considerável, com uma intermitência natural devido às novas fontes geradoras. Agora com as mudanças climáticas também atingindo as hidrelétricas, qual deveria ser o papel dos órgãos formuladores da política do setor elétrico? No passado, a escolha do mix energético foi sempre pautada pelo plane-
10 Brasil Energia, nº 490, 28 de janeiro de 2025 entrevista Jerson Kelman jamento técnico. A EPE dizia qual era o mix com diferentes fontes, diferentes atributos. Agora temos uma invasão do Legislativo, do Congresso Nacional, em temas que os congressistas não têm, na média geral, conhecimento técnico suficiente. É como se os congressistas fossem decidir como é que devem ser feitas as operações cardíacas. Certamente não parece razoável que operações cardíacas sejam decididas por comitês do Congresso Nacional. De igual maneira não é razoável que procedimentos da operação do sistema elétrico, que é igualmente complexo, sejam decididos no Congresso. Mas estão sendo. Como estão sendo, o caminho que eu estou me referindo, já que a CP 33 não passou lá em 2017, seria a criação de uma unidade geradora ideal, a UGI. Lamentavelmente eu não acho que os bem-intencionados vão conseguir vencer a aliança entre parlamentares e os lobbies, que olham só parte, só seus interesses, e não os interesses coletivos. Então, razoável seria deixar que o próprio mercado, os próprios agentes, se organizem para oferecer essa tal da unidade geradora ideal. É uma solução interessante porque combina formas de geração de energia de maneira a manter a geração contínua... É despachável, flexível, com inércia, com tudo, que nem mesmo a hidrelétrica tem. A hidrelétrica é a que mais se aproxima de ter todas essas características, mas nem ela, nem as térmicas, ninguém tem todas as características reunidas. O senhor acha que as usinas a fio d’água precisam ser reconfiguradas para ter um reservatório e enfrentar as mudanças climáticas? Não, isso não é viável. Não é viável construir um reservatório em uma usina que já existe. O que se pode fazer é voltar a examinar o balanço entre impactos ambientais e sociais associados ao reservatório, que são sempre na escala local e são em geral negativos. E balancear isso com os impactos na escala nacional ou mesmo global, que são em geral positivos. Não é só por ser energia renovável. Mas é uma forma de geração que alavanca outras fontes também renováveis, como solar e eólica, mas sem a despachabilidade das hidráulicas. Agora, as mudanças climáticas, sem dúvida, impõem muitas modificações na operação do sistema hidrelétrico. E aí não são só as mudanças climáticas. São também as mudanças do uso do solo. Porque se no passado as águas dos rios eram utilizadas na geração de energia elétrica quase que exclusivamente; e hoje não mais. Na Bacia do São Francisco, por exemplo, grande parte da diminuição da vazão do rio é devida ao uso da água para irrigação do oeste da Bahia. Por outro lado, a substituição de florestas por agricultura também modifica o ciclo hidrológico dentro da bacia hidrográfica. Em alguns lugares, as mudanças no uso do solo fazem com que diminua a vazão disponível para a produção de energia elétrica, como no caso do São Francisco. Em outros casos, aumenta, como no caso da Bacia do Paraná. Porém, com aumento da variabilidade temporal das vazões.
Brasil Energia, nº 490, 28 de janeiro de 2025 11 O senhor comentou em alguns artigos sobre as hidrelétricas reversíveis, que talvez fosse um caminho. Mas não se esbarraria na legislação ambiental? Há dificuldade de criar reservatórios no Brasil e já não temos aqueles grandes projetos de hidrelétricas. O senhor acha viável a gente ter mais reservatórios para armazenar mais água e gerar mais eletricidade em momento de escassez hídrica, por exemplo? As usinas reversíveis não têm o objetivo de aumentar a produção de energia. Ao contrário, elas diminuem a produção de energia, em média, porque elas consomem energia. E nem sequer elas são um antídoto para a seca. Não é para isso... Na realidade, as usinas reversíveis competem com as baterias. Por exemplo, a geração solar só produz energia durante o dia, com o sol, e seria preciso armazenar o excesso de energia em baterias, que são ainda muito caras. Ou se pode usar uma usina reversível, com dois reservatórios: um inferior e um superior. Então, na realidade, se usa mais energia para bombear a água e fazê-la subir. Assim, uma usina reversível consome energia em média. Mas ela usa energia quando ela é barata, quando há mais oferta no sistema. E ela produz energia quando já não tem mais sol. É um complemento muito interessante para solares e eólicas, como se fosse uma bateria. Mas aí não esbarramos na questão ambiental, por precisar construir mais um reservatório? Eu não vejo nenhuma dificuldade ambiental nas reversíveis. Porque os conflitos da construção de reservatórios são associados às usinas tradicionais, que constroem uma barragem em um rio existente. E no rio existente tem população e tem atividades ali. No caso de uma reversível, suponhamos o caso mais comum: já existe um reservatório no rio e agora se quer simplesmente construir um reservatório superior. Esse novo reservatório não é mais no rio. Na realidade, é preciso procurar nas montanhas algum local em formato de cumbuca para que seja fechado e se possa jogar água ali. Então, escolhendo direito, o impacto ambiental é muito pequeno, porque não está confinado ao rio. Você pode vasculhar em ampla região onde você vai fazer o reservatório superior. Será certamente num local desabitado ou onde more pouca gente. Existe um modelo chamado Hera, desenvolvido pela PSR, que é capaz de identificar esses locais todos. Temos sorte porque os centros de alto consumo de carga são junto à Serra do Mar – São Paulo, Rio de Janeiro, principalmente – e se pode concentrar as reversíveis nessa região. Tem afinidade com os locais. Eu não vejo conflito, nem ambiental, nem social. Como já foi dito, os recursos hídricos têm usos diversos. Antes eram primordialmente para a geração de energia e hoje temos a captação de água para abastecimento das cidades, para a agricultura, para a indústria, para o transporte de bens. O que pode ser feito para salvaguardar a água? Parte da minha vida foi dedicada a tratar dessa questão. Me dediquei à criação da ANA, e depois fui seu primeiro
12 Brasil Energia, nº 490, 28 de janeiro de 2025 entrevista Jerson Kelman presidente, justamente para tratar desse assunto: o uso múltiplo das águas. Eu diria que podemos lamentar um pouco como foi nossa história do uso dos rios. Desde o Código de Águas, de 1934, os rios foram vistos apenas como recursos naturais para produção de energia elétrica. Os chamados inventários eram feitos para identificar os locais com vocação para construção de usinas hidrelétricas. Isso foi feito rio por rio, da nascente à foz. E como o objetivo era a produção de energia elétrica, naturalmente o setor foi escolhendo construir usinas nos melhores locais, nas diversas bacias hidrográficas, sem preocupação de implementar todos os aproveitamentos de uma bacia. Assim, os rios que drenam o Planalto Central, por exemplo, poderiam ter recebido usinas visando não apenas a geração de energia, mas também o controle de enchentes e a navegação. Facilitaria o escoamento da produção de grãos do Brasil Central. Nos Estados Unidos, o rio Mississipi escoa toda a produção do Centro- -Oeste por via fluvial. Nós não temos um rio com eclusas em todas as barragens para poder escoar. Perdemos esse bonde. Há algo que possa ser feito agora? O que podemos fazer agora é estreitar o vínculo entre a ANA, que cuida do uso múltiplo dos recursos das águas das bacias hidrográficas, e as entidades do setor elétrico, especificamente a Aneel, EPE e ONS, que olham a questão do uso da água na escala do país – porque o sistema está interligado via linhas de transmissão – para avaliar a melhor utilização. Na prática isso significa que ANA e ONS devem criar – e já estão fazendo isso – uma força-tarefa que examine uma a uma as restrições operativas das usinas hidrelétricas para uso de outro setor. Por exemplo, é muito comum uma usina ter restrição de vazão mínima defluente. Frequentemente, isso não está associada realmente a uma restrição relacionada à quantidade de água, e sim ao nível de água a jusante da usina para permitir a captação que abastece, por exemplo, uma cidade. Trata-se de problema de simples solução. Se tiver que segurar água no reservatório, baixando o nível do rio a jusante, a tomada de água da cidade pode ser auxiliada por uma bomba flutuante que jogue água dentro da adutora. Existem soluções que custam dezenas de milhares de reais e causam benefício ao consumidor de energia elétrica de bilhões de reais. Quando eu era diretor-geral da Aneel briguei muito com o Ibama que exigia uma vazão mínima de Sobradinho de 1.300 m3/s. E a vazão mínima histórica era de 550 m³/s. Então, se assegurava a jusante um nível mínimo que a natureza não havia assegurado. Porém, ao custo de esvaziar o reservatório de Sobradinho. Depois de algum tempo foi necessário ligar as térmicas. Se gastou uma fábula porque não houve uma análise holística. Essa análise holística é que eu acho que tem que ser feita conjuntamente pela ANA e pelo ONS. n
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14 Brasil Energia, nº 490, 28 de janeiro de 2025 Rubem Cesar Souza é professor na Ufam e Unicamp, diretor do CDEAM e presidente do Fórum Permanente de Energia da Ufam. Escreve na Brasil Energia a cada dois meses. Rubem Cesar Souza Na minha primeira publicação chamei a atenção para a importância da governança do setor energético com a necessidade do protagonismo de estados e municípios, ao mesmo tempo, que afirmava a precariedade da mesma quando se trata de Amazônia. Não que seja uma característica exclusiva dessa região, mas a menção tinha a ver com o foco geográfico da abordagem. De um modo geral, o país não dispõe de instância administrativa exclusiva para a temática energética, nas esferas estadual e municipal. Quando muito, vamos encontrar a área energética inserida em uma secretaria cuja temática principal é a problemática ambiental, a exemplo do que ocorre no estado de São Paulo na atualidade ou então uma secretaria que trata de infraestrutura em geral. A evidência desta afirmação está na composição do Fórum Nacional dos Secretários Estaduais de Minas e Energia – FNSEME. Evidentemente que energia, meio ambiente e infraestrutura estão intimamente relacionados, porém, por ser um setor com grande complexidade e relevância para a sociedade, acredito que a temática energética deveria estar em um patamar de governança mais elevado. Destoando positivamente do cenário nacional, o Estado do Amazonas se apresenta como um caso à parte, sobre o qual vamos discorrer a seguir. A primeira ação estruturante em nível do governo estadual no Amazonas surgiu no âmbito do Fórum Amazonense de Mudanças Climáticas, Biodiversidade, Serviços Ambientais e Energia (FAMC), criado em 2009. No início das atividades do FAMC foram constituídas as Câmeras Temáticas, dentre as quais a de Energia, cuja coordenação ficou sob minha responsabilidade enquanto representante da Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Entre as ações da Câmara de Energia cito a proposta de constituição do Conselho Estadual de Energia, o que se concretizou via Lei Estadual No. 3.782, de 20 de julho de 2012, sendo este um órgão consultivo de natureza permanente. Apesar de haver previsão legal, o Conselho funcionou somente até 2014, quando houve mudança na titularidade do governo estadual. 1. Em março de 2019, o Centro de Desenvolvimento Energético Amazônico (CDEAM), órgão suplementar da Ufam, instalou o Fórum Permanente de Energia (FPE/Ufam), objetivando propor políticas públicas para o desenvolvimento do setor energético estadual. De pronto responderam ao convite diversos agentes da sociedade, como o governo estadual, instituições de ensino, empresas do setor energético e entidades do terceiro setor. Com reuniões bimestrais, o FPE avançou no seu propósito sendo a seguir listados alguns avanços no tocante a governança do setor energético estadual. 2. No final de 2019, a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação (SEDECTI) instituiu a Subsecretaria de Mineração, Energia, Petróleo e Gás; 3. No dia 22 de dezembro de 2020 foi sancionada a lei estadual No. 5.350, gestada no FPE, a qual se constitui na política estadual de incentivo às fontes renováveis de energia e às tecnologias de eficiência energética; 4. Em maio de 2023, foram retomadas as atividades do Conselho Estadual de Energia, ocasião na qual foram constituídas duas Câmaras Temáticas. Uma delas com a responsabilidade de propor o marco legal do setor energético estadual, cuja relatoria ficou sob a responsabilidade da Ufam. Governança para a Transição na Amazonia Continue lendo esse artigo em: /energia/entendendo-a-transicaoenergetica-na-amazonia-parte-3
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16 Brasil Energia, nº 490, 28 de janeiro de 2025 Wagner Victer é engenheiro, administrador, ex-secretário de Estado de Energia, Indústria Naval e do Petróleo, e ex conselheiro do CNPE. Escreve mensalmente na Brasil Energia. Wagner Victer Ao final da década de 1990, já como Secretário de Estado de Energia, Indústria e Petróleo, recordo-me das discussões que eu mantinha com um dos parlamentares mais atuantes da Bahia no setor de Energia no Congresso Nacional, José Carlos Aleluia. Debatíamos sobre como deveríamos buscar incentivos a novas fontes de energias renováveis, na ocasião ainda de tecnologia incipiente, como a eólica, a biomassa e as pequenas centrais hidrelétricas (PCH). Essas reflexões embasaram a criação do Proinfra, que estabeleceu, como política indutora, a compra compulsória de 3.300 MW dessas fontes. Esse programa impulsionou, de forma determinante, a realidade que vivemos hoje, em que tais fontes têm amplo sucesso em bases competitivas. A energia geotérmica é uma fonte renovável e sustentável de energia, obtida a partir do calor natural da terra, e tem desempenhado um papel importante e crescente na transição energética global, sendo utilizada para a geração de eletricidade e para aquecimento direto em diversas regiões do mundo. Em países como os Estados Unidos, onde existe o chamado “cinturão geotérmico” na Califórnia e em Nevada, o campo “The Geysers” é considerado o maior complexo geotérmico do mundo, onde a geração já é relevante. Também nas Américas, países como o México possuem grande capacidade. Na Europa, a Itália é considerada o berço global da energia geotérmica moderna, com a usina de Landerello, além de países como Alemanha e Turquia, que utilizam tecnologias de bomba de calor. Para o público, o caso mais conhecido é o da Islândia, onde cerca de 25% da energia elétrica deriva dessa fonte, em contraste com seu clima e ambiente gelados. Na Ásia e na Oceania, as maiores participações são nas Filipinas e na Indonésia. Já na África, destacam-se as usinas do Quênia. Os benefícios da energia geotérmica são diversos, especialmente por ser de caráter renovável, sustentável e inesgotável dentro da escala de consumo humano, além de apresentar baixa emissão de carbono. É, sobretudo, uma fonte confiável, por fornecer “energia de base” independentemente de condições climáticas. Segundo o Relatório “The Future of Geothermal Energy”, publicado pela Agência Internacional de Energia (IEA) em dezembro de 2024, as perspectivas para o crescimento global da geotermia são extremamente promissoras. Com contínuas melhorias tecnológicas e reduções nos custos de projeto, essa fonte de energia poderia suprir até 15% do crescimento da demanda global de eletricidade até 2050. Isso significaria a implantação economicamente viável de aproximadamente 800 GW de capacidade de geração geotérmica em todo o mundo, produzindo quase 6.000 terawatt-horas por ano, o que equivale à demanda elétrica atual somada dos Estados Unidos e da Índia. Outro ponto destacado pela IEA é o fato de a geotermia proporcionar eletricidade ininterrupta, bem como calor e até armazenamento de energia. Por ser contínua, as usinas geotérmicas podem operar em sua capacidade máxima o dia inteiro, ao longo de todo o ano. Em 2023, a taxa média de utilização da capacidade geotérmica global superou 75%, comparativamente a menos de 30% para a energia eólica e menos de 15% para a solar fotovoltaica. Além disso, essas centrais podem operar de forma flexível, contribuindo para a estabilidade das redes elétricas, garantindo o atendimento à demanda em todos os momentos e apoiando a integração de fontes renováveis variáveis, como a solar e a eólica. Energia Geotérmica: nova perspectiva no Brasil Continue lendo esse artigo em: /energia/energia-geotermica-uma-novaperspectiva-no-brasil
Brasil Energia, nº 490, 28 de janeiro de 2025 17 esta Série Especial, produzida pela Brasil Energia com o apoio da Eletrobras como parceiro institucional, destacamos a Sustentabilidade Socioeconômica e Ambiental dos projetos hidrelétricos. Na revista reunimos matérias, reportagens e entrevistas que publicamos semanalmente no site, mostrando que, além de energia, as UHEs, PCHs e CGHs fornecem água, são aliadas contra secas e inundações e irradiam negócios, empregos e impostos. N Destaques da Edição clique para ir direto para o conteúdo Hidrelétricas, Água e Sustentabilidade SÉRIE ESPECIAL Parceiro: ELETROBRAS Sobradinho transformou o semiárido em polo dendesenvolvimento UHE Itumbiara testa laboratório para produção de H2V competitivo UHE Santo Antônio mostra resiliência e dá volta por cima em 2024 Praias, irrigação e energia, os frutos de Serra da Mesa
18 Brasil Energia, nº 490, 28 de janeiro de 2025 HIDRELÉTRICAS, ÁGUA E SUSTENTABILIDADE De acordo com dados da Climatempo, correspondentes a médias históricas de 30 anos, as cidades conurbadas de Petrolina, em Pernambuco, e Juazeiro, na Bahia, registram precipitações médias anuais de 394 mm, o que as coloca entre as mais secas do país. Para se ter um parâmetro de comparação, Sorriso, no Mato Grosso, chove em média 1.459 mm por ano, sendo 492 mm somente nos meses de janeiro e fevereiro, segundo a mesma fonte. Contudo, quando se trata de medir as temperaturas, Petrolina, Juazeiro e Sorriso podem ser consideradas cidades irSobradinho transformou o semiárido em polo de desenvolvimento Construção do reservatório da UHE trouxe, junto com a geração de energia, a criação do maior polo de fruticultura do Brasil em pleno semiárido | POR CHICO SANTOS | UHE Sobradinho, de 1.050MW. A geração de energia não é o principal benefício da acumulação de água do grande lago Foto: Divulgação ANA
Brasil Energia, nº 490, 28 de janeiro de 2025 19 mãs. A mínima nas três é de 19 graus e as máximas sobem a 34 graus nas duas primeiras e a 33 na terceira. Mas não é apenas o calor constante que aproxima as duas secas cidades sertanejas, de longa história, da jovem e úmida matogrossense, fundada há menos de 40 anos. A chuvosa Sorriso entrou para o noticiário nacional como a Capital do Agronegócio, liderando há vários anos a produção de soja entre os 5.570 municípios do país, com mais de dois milhões de toneladas por safra. Já as tórridas Petrolina e Juazeiro surpreendem os pouco atentos às coisas da economia e do clima por serem há vários anos as capitais da fruticultura brasileira. De acordo com dados computados pelo economista João Ricardo Lima, pesquisador da Embrapa Semiárido, em 2023 o Vale do São Francisco, do qual as duas cidades são o epicentro, respondeu por 63% das mangas, 55% das uvas, 36% das goiabas e 15% dos cocos ofertados no mercado brasileiro em 2023. Em 2022, as produções de uva, manga, banana, goiaba, coco, melão e melancia do Vale geraram uma receita bruta de R$ 4,5 bilhões, de acordo com a mesma fonte. Quando se trata de vendas externas, em 2023 o São Francisco respondeu por 99% das exportações brasileiras de uvas e por 93% das de manga, representando uma soma de aproximadamente US$ 460 milhões. O rio São Francisco é a bomba natural de água que, ao longo dos seus 2.830 km, alimenta toda uma região Projeto de irrigação Nilo Coelho, da Codevasf, tem ponto de captação no leito do reservatório e respondeu em 2023 por R$ 2,5 bilhões do valor bruto da produção do polo Juazeiro/Petrolina, mais de 50% do total Foto: DINC
20 Brasil Energia, nº 490, 28 de janeiro de 2025 HIDRELÉTRICAS, ÁGUA E SUSTENTABILIDADE majoritariamente seca dos estados de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe. Mas foi a construção do reservatório da UHE Sobradinho, inaugurado no início da década de 1980, que propiciou a segurança hídrica para o desenvolvimento do polo econômico Petrolina/Juazeiro e o entorno de ambas, que se tornou referência mundial na produção de frutas frescas para consumo direto, principalmente, mas também para a produção de vinhos, no caso das uvas. “Hoje, a menor de todas as finalidades é gerar energia”, ressalta Lima, da Embrapa. De fato, a UHE de 1.050 MW de capacidade, armazena até 34,1 bilhões de m3 de água , uma geração pouco condizente com o tamanho do lago. Suprimento e controle de cheias O pesquisador da Embrapa ressalta que além de assegurar água para o suprimento humano e para irrigação, Sobradinho faz o controle de cheias e da cascata de barragens a jusante - UHEs Luiz Gonzaga, Apolônio Sales, Paulo Afonso de 1 a 4 e Xingó -, eliminando risco de enchentes. Além disso, Lima destaca que o lago vem desenvolvendo uma forte vocação turística em pontos como as praias das Dunas do Velho Chico, no município de Casa Nova, ou em passeios de barco que sobem a eclusa da barragem e culminam com almoço e degustação em uma das vinícolas que se instalaram ao redor do reservatório ao longo das últimas décadas. O lago de Sobradinho é um dos maiores lagos artificiais do mundo. Atinge em sua capacidade máxima 4.200 km2 de área e acumula 34,1 bilhões de m3 de água Foto: Marcello Casal Jr/Ag. Brasil
Brasil Energia, nº 490, 28 de janeiro de 2025 21 “A segurança hídrica proporcionada pelo lago contribuiu para o fortalecimento da região como um polo de fruticultura de grande escala, sendo responsável por um alto volume de exportações”, reforça a Codevasf, empresa federal responsável pela gestão do polo Petrolina/Juazeiro em resposta a Brasil Energia. A Codevasf foi a responsável pela implantação e gestão dos oito projetos públicos de irrigação do polo Petrolina/ Juazeiro. Do lado de Pernambuco, estão os projetos Bebedouro, Nilo Coelho e Pontal. Do lado baiano, Curaçá, Mandacaru, Maniçoba, Salitre e Tourão, sendo que o Nilo Coelho tem cerca de 20% da sua área na Bahia. “Esses projetos têm contribuído significativamente para o desenvolvimento da região, garantindo segurança alimentar, geração de empregos, aumento da renda e fixação das famílias no campo”, ressalta a estatal. De acordo com os dados fornecidos pela Codevasf, nos dez anos de 2014 a 2023 a produção dos oito projetos cresceu 44,62%, passando de 2.157.111 para 3.119.584 toneladas. No mesmo período, a área plantada e a mão de obra empregada também cresceram. A primeira passou de 53.199 para 56.529 hectares e a segunda, de 151.086 para 160.544 trabalhadores. O Nilo Coelho, que completou 40 anos em dezembro passado, é o maior de todos os projetos públicos do polo, com 18,7 mil hectares de área irrigável. Segundo seu gerente, o administrador Paulo Sales, o projeto, com 2.356 produtores, é o único cujo ponto de captação fica diretamente no leito do reservatório e respondeu em 2023 por R$ 2,5 bilhões do valor bruto da produção do polo, mais de 50% do total. Área cultivada, produção e número de empregos nos Projetos Públicos de Irrigação da Codevasf no Polo Petrolina/Juazeiro, no período de 2014 a 2023 Fonte: Codevasf
22 Brasil Energia, nº 490, 28 de janeiro de 2025 HIDRELÉTRICAS, ÁGUA E SUSTENTABILIDADE Sales disse que no projeto está banida a irrigação por meio de sulcos, que provoca desperdício, sendo a quase totalidade do trabalho feito por micro aspersão ou gotejamento, técnicas que economizam água e permitem que os produtores possam aumentar a renda praticando a chamada agricultura de sequeiro. O presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Petrolina, Jaílson Lira, conta que a descoberta da fruticultura como alternativa mais adequada para o desenvolvimento do polo irrigado da região passou por um processo de tentativas iniciado com culturas temporárias, como cebola, tomate, feijão, milho e outras. Como essas culturas não davam a estabilidade necessária, as pesquisas apontaram o caminho das frutas de cultura perene como melhor alternativa ao desenvolvimento. “Tudo só foi possível porque o lago de Sobradinho foi construído com o viés de fornecer água para irrigação”, ressalta. Da descoberta da vocação e do desenvolvimento posterior nasceu não apenas um polo econômico, mas um polo de atração demográfica. De acordo com os dados do Censo do IBGE, em 1980, quando o reservatório de Sobradinho, cerca de 40 km rio acima, estava sendo concluído, Juazeiro e Petrolina tinham, juntas, 222.472 habitantes. No Censo de 2022 a população das duas cidades, separadas apenas pelo leito do rio, alcançou 624.612 haIrrigação por gotejamento de goiabeiras em Petrolina: nos projetos agroindustriais da região está banida a irrigação por meio de sulcos, que provoca desperdício, sendo a quase totalidade do trabalho feito por micro aspersão ou gotejamento, técnicas que economizam água
Brasil Energia, nº 490, 28 de janeiro de 2025 23 bitantes, um aumento de 180,1%. De 2010 para 2022 a conurbação cresceu 69,5%, enquanto a população brasileira cresceu apenas 6,5%. O forte crescimento populacional, acompanhado do aumento da oferta de educação nos três níveis, está gerando um problema característico de transições econômicas. Segundo dados de Lima, da Embrapa, o agronegócio emprega até 65% da força de trabalho local nos meses de maior demanda. O problema é que, segundo dados do Caged compilados pelo pesquisador, mais de um terço dos cerca de 40 mil empregados nas culturas de uva e manga em 2023 é composto por pessoas com ensino médio completo. De acordo com Lima, parte desses trabalhadores, jovens na grande maioria, está optando por tentar oportunidades nos mercados urbanos, na busca de melhores salários do que os R$ 1.452 geralmente pagos no agro, gerando déficit de mão de obra no setor. Lima explica que há duas formas de resolver o problema: uma é via aumento dos salários, o que pressiona os custos de produção, dos quais a mão de obra já responde por entre 50 e 55%. O outro é pela mecanização da colheita, solução que gera desemprego e que ainda não tem uma solução técnica, dada a delicadeza das frutas. n Foto: Codevasf O São Francisco responde por 99% das exportações brasileiras de uvas e por 93% das de manga, com ingressos de aproximadamente US$ 460 milhões
24 Brasil Energia, nº 490, 28 de janeiro de 2025 HIDRELÉTRICAS, ÁGUA E SUSTENTABILIDADE Itumbiara testa laboratório para produção de H2V competitivo Primeira planta de hidrogênio por eletrólise da água a entrar em produção no Brasil, às margens do reservatório da UHE Itumbiara (GO), produz no esquema 24 x 7 Foto: Divulgação Eletobras
Brasil Energia, nº 490, 28 de janeiro de 2025 25 A planta-piloto de hidrogênio verde às margens do reservatório da UHE Itumbiara, Goiás, oitava maior hidrelétrica 100% brasileira (2.082 MW), foi inaugurada em dezembro de 2021, com investimento de R$ 45 milhões da então subsidiária da Eletrobras, Furnas Centrais Elétricas, hoje incorporada à holding. O projeto foi enquadrado no programa de P&D da Aneel. Naquele momento, o hidrogênio já era a principal aposta das sociedades para a descarbonização em massa dos processos com uso de energéticos fósseis, como forma de combater o aquecimento global e as consequentes mudanças climáticas aceleradas. Contudo, o grau de urgência era diferente. A pressa foi potencializada dois meses depois, com a eclosão da guerra Rússia-Ucrânia em fevereiro de 2022 e sua sequela econômica imediata, o impasse no fornecimento de gás natural russo para a Europa Ocidental. O mundo, especialmente a Europa, precisava acelerar a busca por uma alternativa, que, dada a batalha contra o efeito estufa, não fazia sentido ser algo que não fosse direcionado ao net zero. Foi neste contexto que o eletrolisador de Itumbiara começou a fabricar e armazenar hidrogênio 100% verde. A configuração inicial definia que a energia destinada a alimentar o processo de eletrólise da água para a produção do hidrogênio seria exclusivamente solar fotovoltaica, a partir de uma planta terrestre de 800 kilowatts pico (kWp), complementada por painéis flutuantes sobre o espelho do reservatório, de 200 kWp. Foi a primeira planta de hidrogênio por eletrólise da água a entrar em produção no Brasil. A partir das primeiras experiências, ficou decidida a descontinuidade da planta solar flutuante e a complementação da energia solar produzida em terra passou a ser feita com geração da UHE Itumbiara, permitindo que a produção do hidrogênio pudesse ocorrer no esquema 24 x 7, ou seja, 24 horas por dia, sete dias por semana. Victor Ricco, gerente de e-combustível da Eletrobrás, explica que uma das primeiras conclusões tiradas ao longo desses primeiros três anos de funcionamento da planta de Itumbiara foi que “para ter preço competitivo a produção de hidrogênio precisa ter energia constante”. Dessa forma, a energia para a eletrólise não pode ser totalmente de uma fonte variável como a solar e a eólica. Neste ínterim, conforme explicou o especialista, foram superados todos os questionamentos quando à condição 100% limpa e renovável da fonte hidrelétrica. Esses Piloto de hidrogênio verde inaugurado há três anos, ao lado da hidrelétrica, mostrou os caminhos da competitividade para a produção brasileira de H2V. Um fator importante é a produção contínua em regime 24 x 7 | POR CHICO SANTOS |
26 Brasil Energia, nº 490, 28 de janeiro de 2025 HIDRELÉTRICAS, ÁGUA E SUSTENTABILIDADE questionamentos, segundo Ricco, vinham de transposições para o Brasil de situações externas, basicamente europeias, diversas da realidade local. Tanto que em novembro de 2023 a planta de Itumbiara foi também a primeira do Brasil a receber da CCEE a certificação que atesta ser seu hidrogênio produzido totalmente a partir de fontes renováveis. Em três anos de operação a planta-piloto, com capacidade para 100 quilos por dia, já produziu e armazenou cinco toneladas do produto. O armazenamento de hidrogênio era o objeto inicial do P&D de Itumbiara, mas Ricco explica que a experiência foi muito além, permitindo um amplo domínio das características do ciclo da molécula que a Eletrobras pretende agora usar para produção em escala comercial. “Itumbiara foi para nós um grande laboratório. Agora, se Deus quiser, vamos fazer também a primeira planta comercial”, prevê. No ritmo que as coisas estão andando, o gerente de e-combustível da Eletrobras avalia que entre 2027 e 2029 essa primeira planta comercial estará sendo inaugurada. Uma das primeiras conclusões tiradas no “laboratório” foi a de que a geração hidrelétrica será vital para a produção em larga escala, o que, na avaliação da empresa, será uma importante vantagem competitiva do Brasil, país que, mesmo com o desenvolvimento recente das novas fontes renováveis, segue tendo mais de 50% da sua geração centralizada de origem hidrelétrica. Grid robusto e produção constante A partir do entendimento de que a tecnologia de produção de hidrogênio está dominada no Brasil e no mundo, Ricco elencou quatro fatores básicos para que a produção de hidrogênio verde seja competitiva, interna e externamente: geração renovável espalhada por todos os subsistemas, um grid de transmissão robusto para interligar essas gerações, energia constante, 24 x 7, onde entra a hidrelétrica, e produção de hidrogênio constante, com atenção especial na manutenção para evitar ao máximo a parada da planta. “Esses quatro elementos vão levar você a ter um preço competitivo. Isso tudo nós tiramos nesses três anos de operação na usina de Itumbiara. A gente achou a fórmula do sucesso para ter um preço competitivo e hoje estamos prospectando clientes em todos os setores”, disse, ressaltando que os mais importantes para descarbonizar são indústria, transportes e fertilizantes. O executivo destaca que, embora a planta-piloto da Eletrobras tenha sido instalada ao lado de uma UHE, por razões principalmente logísticas - proximidade entre Itumbiara e o laboratório da empresa, localizado em Aparecida de Goiânia -, o papel principal da hidrelétrica na produção de hidrogênio verde é sua capacidade de assegurar energia limpa, renovável e constante. “Dificilmente iremos ter uma planta de hidrogênio instalada junto de uma hidrelétrica”, afirma, explicando que a água do reservatório não será matéria-prima para a eletrólise. “A água é fundamental, mas iremos procurar junto ao objeto da descarbonização”, explica. No caso da água, o mais importante, segundo Ricco, é sua qualidade, ainda que possa ser uma água de reuso. Se a água não for boa, precisará de uma estação de tratamento, o que eleva o custo do investi-
Brasil Energia, nº 490, 28 de janeiro de 2025 27 mento. O mesmo se dá onde não haja disponibilidade de água doce suficiente, exigindo investimento em dessalinização de água do mar. Com o mapa das necessidades e disponibilidades na cabeça, o executivo da Eletrobras enxerga três tipos básicos de localizações para as futuras plantas de hidrogênio verde no Brasil: hubs dentro de portos, como deve ser o caso de Pecém, no Ceará; hubs em áreas importantes para a descarbonização, embora longe de portos, como o quadrilátero ferrífero de Minas Gerais; e os atendimentos exclusivos, com plantas dedicadas, por exemplo, a usinas siderúrgicas. Nessa configuração, Ricco vê o Nordeste brasileiro com a maior vocação exportadora, especialmente pela grande disponibilidade de energia renovável intermitente, muitas vezes jogada fora por falta de demanda ou de transmissão (curtailment), cuja perenidade será garantida pelas hidrelétricas existentes ou por futuros sistemas de armazenamento, incluindo as hidrelétricas reversíveis. Para os submercados do Centro-Sul do país, o especialista avalia que a tendência maior será produzir para o consumo doméstico, dada a proximidade com as maiores demandas internas. O importante, na avaliação de Ricco, é que o Brasil reúne todas as condições para ser um grande produtor para os dois mercados, faltando agora definir as políticas de incentivos corretas e as fontes de financiamento, BNDES à frente. No mais, é saber quem vencerá a corrida para construir e colocar no mercado a primeira planta comercial. “Espero que seja a nossa”, resume. n Complementação da energia solar com geração da UHE Itumbiara permite a produção de hidrgênio verde com energia constante, a preço competitivo
28 Brasil Energia, nº 490, 28 de janeiro de 2025 HIDRELÉTRICAS, ÁGUA E SUSTENTABILIDADE Santo Antônio mostra resiliência e dá volta por cima em 2024 Como a usina do Rio Madeira, que ficou parada por 15 dias em 2023, encontrou este ano solução para se manter gerando na maior seca da história do rio | POR CHICO SANTOS | Dia 1º de outubro de 2023, um domingo. A vazão afluente do pequeno reservatório da UHE Santo Antônio, no rio Madeira, que na verdade funciona a fio d’água, cai abaixo de 3 mil m3/s e acende uma luz vermelha para a segurança técnico-operacional. Este é o limite mínimo para o complexo de 50 unidades geradoras equipadas com turbinas tipo bulbo, de 71,37 MW cada, totalizando 3.568,3 MW de capacidade. Em comum acordo com o ONS, a Eletrobras, concessionária da usina, decide A partir de manobra operacional, aproveitando a posição geográfica das turbinas da margem direita, usina de Santo Antônio não precisou parar durante a seca de 2024 (Foto: Divulgação Eletrobras)
Brasil Energia, nº 490, 28 de janeiro de 2025 29 parar as máquinas da quarta maior hidrelétrica 100% brasileira. Como consequência da parada, foi desligado o chamado Linhão do Madeira, bipolo de 600 kV que conecta as usinas de Santo Antônio e Jirau diretamente ao Sudeste do país. Dia 12 de outubro de 2024. A bacia do rio Madeira vive a maior seca da história desde que começaram a ser feitas as medições e a vazão em Santo Antônio desce a inimagináveis 1.987 m3/s, mas a usina segue operando e naquele dia gera 410,90 MWmed, segundo as estatísticas do operador do SIN. Na verdade, a seca extrema do ano passado chegou ao Madeira muito antes do começo de outubro. No dia 1º de setembro, os dados do ONS já mostravam afluência de 2.981 e defluência de 3.014 na usina. A sinalização era de que Santo Antônio iria parar novamente, desta vez, bem mais cedo. Mas não parou. Naquele dia, a usina gerou 674,13 MWmed e a partir do dia 4 de setembro passou a gerar no limite de 490 MWmed. Em 1º de outubro, aniversário da paralisação forçada do ano anterior, a usina gerou 385,55 MWmed. A vazão defluente era de 2.173 m3/s. Como no mundo tecnológico não existem milagres, o que mudou para tamanha inversão de comportamento? Segundo a Eletrobras, ao longo do período seco do ano passado a usina manteve uma disponibilidade média de 487 MW. No ano anterior ela ficou parada por 15 dias, só retornando a operar dois domingos depois que parou, quando o rio estava em recuperação e a afluência acima dos 3.200 m3/s. “Com a crise de 2023, o que nós fizemos, primeiramente, foi nos aprofundar no relevo da região, principalmente no barramento da usina. E verificamos que as turbinas localizadas no grupo gerador nº 1, ou seja, na margem direita do rio, tinham uma posição geográfica distinta das demais. À frente dessas turbinas, temos um grande paredão de rochas e esse paredão forma uma espécie de remanso, fazendo com que, se nós concentrássemos a geração da usina na margem direita, poderíamos ter uma elevação da cota jusante e manter a usina operando, mesmo em uma situação mais crítica do que a verificada em 2023”, explica Caio Pompeu de Souza Neto, CEO de Santo Antônio. O gerente de Operações da usina, Douglas Morais, relata que a partir do aprendizado proporcionado pelo evento de 2023 e dos conhecimentos adquiridos sobre a formação geológica do trecho imediatamente abaixo (a jusante) da barragem, a Eletrobras concentrou no primeiro semestre de 2024 as manutenções necessárias no grupo gerador nº 1, composto por oito unidades (UGs), de modo a que elas estivessem disponíveis quando chegasse o período de seca mais extremo. Morais explica que, com essa providência, quando a vazante do rio chegou ao nível crítico, os técnicos de Santo Antônio concentraram a passagem da água no trecho correspondente àquelas oito turbinas, sete delas o tempo todo disponíveis para geração, e também nas três comportas que compõem o vertedouro da margem direita do rio, propiciando as condições necessárias à continuidade da geração. A necessidade de elevação da chamada cota de jusante para permitir a operação na seca extrema está associada a as-
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